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O presidente da República fez mais de 500 quilómetros para assinalar os quase 50 anos de democracia, em Portugal. Recorreu à sua vocação de professor e aos seus dotes de comunicador, para dar uma espécie de aula sobre democracia, num auditório repleto de jovens. O presidente foi recebido com grande entusiasmo. Os jovens bateram palmas e assobiaram, com a excitação reservada às celebridades. Depois, o presidente começou a falar e a juventude esmoreceu. Quando começou a distinguir a monarquia e a república, a Rita resolveu mergulhar no "Instagram". Quando abordou a guerra colonial, o João decidiu fazer uma guerra "online" com o colega do lado. A reflexão sobre a natureza dos partidos políticos foi ofuscada pelas imagens dos guerreiros de "wrestling" do telemóvel do Hugo. E a emergência do populismo não resistiu ao livro do Harry Potter (na realidade, o Harry Potter também não resistiu ao "TikTok" - pois não, Mafalda?"). Bem sei que estava na fila de trás (local onde se costumam sentar os jornalistas e os maus alunos). Bem sei que, nas filas da frente, havia alunos interessados e participativos. Mas, foi uma espécie de constatação "in loco" de algumas das assimetrias sublinhadas pelo presidente: na política ou na educação "há muito bom e há muito mau". O presidente exortou os jovens: "participem", "envolvam-se", "manifestem-se". Uma parte significativa não respondeu, porque estava demasiado ocupada, a bocejar, no ciberespaço. A dada altura, o presidente contou uma história para ilustrar a importância das pessoas se manterem independentes dos cargos políticos: "Eu tinha colegas meus, jovens, que tinham acabado de sair da faculdade e foram convidados para secretários de Estado. Quando saíram do governo não sabiam o que fazer. Achavam que, depois de terem sido secretários de Estado, só podiam ser ministros ou presidentes de um banco". "O que é que achas que eu devo fazer?", perguntavam-lhe. "Eh, pá! E se fosses trabalhar?", respondia-lhes. A resposta (como é evidente) não é válida, apenas, para ex-secretários de Estado. No final - de novo - as palmas e os assobios, reservados às celebridades. E uma selfie (claro!), para partilhar no ciberespaço.
O discurso era inflamado: contra os ricos e poderosos, contras as elites; a favor do povo, dos mais pobres, dos excluídos. O povo, entusiasmado, respondeu com palmas, slogans e canções e, depois, seguiu para as barracas com cerveja e bifanas. O candidato esgueirou-se do palco, rodeado de seguranças e assessores, contornou os jornalistas e entrou para o banco de trás do automóvel alemão, de gama superior. Tirei a pinta ao carro do candidato "contra os ricos": mais de 100 mil euros de carro.
Vem isto a propósito da escolha de Pedro Adão e Silva, para liderar as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. O presidente do PSD considera que o nomeado vai ganhar demasiado dinheiro, e que este serve para pagar favores políticos. O primeiro-ministro responde que as acusações de Rui Rio são insultuosas. Mas, vários políticos juntaram-se ao coro de críticas.
O salário do nomeado não será antipático: o equivalente ao de um professor universitário. Pedro Adão e Silva é professor universitário e vai suspender a sua atividade docente. Muitos dos indignados ganham valores superiores. Alguns poderão, mesmo, ganhar o dobro. Todos ganham dinheiro público. Podemos (e devemos) discutir se o dinheiro público é bem ou mal gasto. Agitar a bandeira dos pobres contra os ricos, já é mais questionável. Sobretudo, quando se pretende ser as duas coisas, ao mesmo tempo.
"Você gosta de usar óculos?", perguntou-me o doutor do olhos - um senhor velhinho, de andar ligeiro e modos delicados. "Nem por isso", respondi. "E porque é que não faz uma operação? É um rapaz novo, tem a miopia estabilizada, ficava a ver melhor, devia pensar nisso". Pensei e agi, mas fui traído por um ligeiro aumento na graduação. Numa consulta mais recente, voltei ao assunto com o meu doutor. Arqueou as sobrancelhas, com um ar intrigado: "Uma operação, com a sua idade"? "Bem, foi o senhor que falou nessa hipótese". "A sério, isso foi há quanto tempo"? "Há uns dez anos, talvez". "Mas, que idade tem? Deve estar próximo dos 50". "Já estive mais longe", respondi. "E já não deve ver bem ao perto. Vamos já ver isso". Fez-me um teste, que passei com distinção. "Vê", disse o doutor compondo os seus óculos, "é uma vantagem de ser míope". "Haja alguma", acrescentei. "Mas não vale a pena pensar na operação, porque mais tarde ou mais cedo vai precisar de óculos para ver ao perto". Agradeci e abandonei o consultório. Há dez anos, eu era novo. Agora, já estou velho. Ao que parece, “dez anos é muito tempo” e não é só na canção.
Antes de vos falar do John, do Paul, do George e do Ringo, deixem-me falar-vos do Tó. O Tó era amigo da minha irmã e fã dos outros quatro. E queria converter-nos à religião dele. Mas, nós não estávamos para aí virados. Tínhamos acabado de descobrir as viagens cósmicas dos Pink Floyd e as transgressões musico-poéticas dos Doors. Os Beatles pareciam-nos demasiado antigos e bem comportados. "I wanna hold your hand" ou "Yellow submarine" pareciam-nos canções inocentes e infantis. Que contraste com o "Shine On You Crazy Diamond", dos Pink Floyd, ou com o "Light my fire", dos Doors! Mas o Tó não desarmava e queria-nos oferecer o seu disco preferido dos Beatles. Acabámos por chegar a uma solução de compromisso. Emprestou-nos o "Abbey Road": se não gostássemos, podíamos devolvê-lo; se gostássemos ficávamos com o disco. Gostámos. O "Abbey Road" tem 50 anos e mora em minha casa, há mais de 30. É maravilhoso e está cada vez mais novo.