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Annie era filha única, do último diretor da PIDE. José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz chamaram-lhe "A filha rebelde". Um exagero, decerto. Annie era, apenas, uma rapariga do seu tempo. Que não gostava assim lá muito dos chefes reacionários de Portugal. E que gostava um bocadinho lá muito dos chefes revolucionários de Cuba. Apaixonou-se, fugazmente, pelo guerrilheiro Che Guevara. Namorou, prolongadamente, com um ministro do Interior chamado Abrantes. Fora isso, tudo como dantes? Não. Porque, entretanto, também houve uma revolução em Portugal. E os filhos da revolução mandaram o pai, Silva Pais, para uma prisão que ele bem conhecia: Peniche. A vida de Annie dava um filme. Dava. Para já, deu um livro (um excelentíssimo livro!) e uma série (que começa, hoje, na RTP).
Abril, na mão do mais novo. Abril, sempre novo.
Há uns dois ou três anos, andou por aí uma polémica sobre um jovem que aguardava financiamento para fazer um doutoramento. Ao que parece, o jovem era bom aluno, o trabalho seria interessante, o orientador competente e a faculdade que o aguardava era de fama internacional. O jovem é uma figura pública, tornou a sua situação pública e obteve tempo de antena nos media e nas redes sociais. E parece que, na falta de financiamento público teve ajuda, pública, de financiamentos privados. Para mim, a situação foi confrangedora. Porque existem centenas de jovens como este, com a vida empatada, por atrasos em concursos públicos. Porque é que este caso foi tão falado? Porque veio de alguém, com acesso aos media e aos espaços de opinião. Gastamos muito tempo a falar das diferenças entre esquerda e direita (que existem e devem ser discutidas), mas guardamos pouco tempo para discutir as diferenças entre ser de "cima ou de baixo".
Acabar com as diferenças entre "os de cima e os de baixo" tem sido uma das maiores conquistas de Abril. É pena que alguns defensores de Abril se esqueçam disso. Foi por isso que eu gostei tanto do livro "Os filhos da madrugada", de Anabela Mota Ribeiro. Mostra um país de gente jovem, culta, inteligente, talentosa: escritores, artistas, políticos, empresários, cientistas. Muitos deles, vêm de meios humildes, marcados pela pobreza e pelo analfabetismo. É o país do "Eu vim de longe" do José Mário Branco, do "o que eu andei p'raqui chegar". É o país que chegou aqui, felizmente. Mas que continua a ter muito para andar, felizmente.
Amanhã, na RTP, Anabela Mota Ribeira estreia uma nova série do programa "Os filhos da madrugada". Amanhã, será o primeiro dia em que haverá mais dias de democracia do que de ditadura. Amanhã, será um bom dia para celebrar Abril. Será mais um dia, mas não será um dia a mais. Todos os dias contam. Todas as pessoas contam.
Quando um livro é adaptado para um filme, no cinema, ou para uma série, na televisão, é costume ouvir-se dizer que se gostou mais do livro. Neste caso, antes de ser livro, este conjunto de entrevistas, da Anabela Mota Ribeiro, foi um programa na RTP. Tenho as entrevistas gravadas, mas, confesso, não as vi. Muitas vezes, chego mais depressa aos livros do que aos ecrãs. Foi, uma vez mais, o caso. Os "Filhos da Madrugada" são 25 entrevistas com 25 pessoas nascidas depois da "manhã clara", procurada por José Afonso, e confirmada no "O dia inicial inteiro e limpo", descrito por Sophia de Mello Breyner Andresen. São homens e mulheres, de esquerda e de direita, e de idades, origens, profissões e convicções muito diversas. É possível, no entanto, identificar um chão comum, neste caleidoscópio que concretiza e enriquece a história e as conquistas de Abril: o da liberdade e da democracia. A adaptação para livro é maravilhosa. Qualquer dia, vejo a série original. Depois comparo.
No meio de um ambiente cinzento, havia o tio Jorge. Otelo e a irmã gostavam de imitar o tio. Chamavam-lhe a brincadeira dos “pás”. “Eh pá, vamos comprar cigarros”, dizia um. “Eh pá, vamos ao café”, dizia outro. Quando li isto, na biografia de Otelo Saraiva de Carvalho, de Paulo Moura, sorri.
Eu também brinquei aos “pás”, com os meus irmãos. Nós dizíamos “brincar aos jovens”. Falávamos ao telefone, íamos à praia, passeávamos de carro, bebíamos “cocktails”, íamos ao cinema e à discoteca. Os exemplos, vinham das novelas. Nós não tínhamos um tio Jorge, cosmopolita e “bon vivant”, que trabalhava numa companhia aérea. Mas dizíamos “pá”.
Em 1974, Otelo brincou, de novo, “aos pás”. Foi no 25 de Abril. O estilo manteve-se: “Mónaco e México já caíram nas nossas mãos.”; “Eh pá, palavra de honra? Isso é porreiro, pá”; “Desculpe, lá, qual é o seu nome?”; “Otelo Saraiva de Carvalho”; “Eh, pá!”.
Francisco Buarque de Holanda imortalizou a brincadeira numa canção: “Sei que estás em festa, pá”; “Eu queria estar na festa, pá”; “Lá faz primavera, pá”. O Chico, pá, a falar como o Otelo!
[Texto publicado, originalmente, em 22 de Junho de 2015]
O discurso era inflamado: contra os ricos e poderosos, contras as elites; a favor do povo, dos mais pobres, dos excluídos. O povo, entusiasmado, respondeu com palmas, slogans e canções e, depois, seguiu para as barracas com cerveja e bifanas. O candidato esgueirou-se do palco, rodeado de seguranças e assessores, contornou os jornalistas e entrou para o banco de trás do automóvel alemão, de gama superior. Tirei a pinta ao carro do candidato "contra os ricos": mais de 100 mil euros de carro.
Vem isto a propósito da escolha de Pedro Adão e Silva, para liderar as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. O presidente do PSD considera que o nomeado vai ganhar demasiado dinheiro, e que este serve para pagar favores políticos. O primeiro-ministro responde que as acusações de Rui Rio são insultuosas. Mas, vários políticos juntaram-se ao coro de críticas.
O salário do nomeado não será antipático: o equivalente ao de um professor universitário. Pedro Adão e Silva é professor universitário e vai suspender a sua atividade docente. Muitos dos indignados ganham valores superiores. Alguns poderão, mesmo, ganhar o dobro. Todos ganham dinheiro público. Podemos (e devemos) discutir se o dinheiro público é bem ou mal gasto. Agitar a bandeira dos pobres contra os ricos, já é mais questionável. Sobretudo, quando se pretende ser as duas coisas, ao mesmo tempo.
Depois do discurso sobre a "democracia amordaçada" e o "cinquentenário da Revolução de Abril", resolvi regressar às páginas deste livro de Cavaco Silva. É, sem dúvida, o seu livro mais interessante.
Acho a designação "Implantação da República" interessante. Porquê "implantação", se foi uma revolução, como a de Abril? Mas, depois, penso nos vários significados da palavra. Na arquitetura, por exemplo, "implantar" refere-se ao espaço onde vai nascer um edifício. Na agricultura, ao ato de criar raízes. E, assim sendo, implantação faz sentido. Plantaram-se umas coisas na I República, com os seus 45 governos; e na II, com o seu governo de 48 anos; mas só houve frutos em 1974, com uma nova revolução: republicana, mas, sobretudo, democrática. Viva a República!