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Depois da festa

por Miguel Bastos, em 20.01.25

anne.jpg

"O Crepúsculo da Democracia" começa como se fosse um filme. Uma festa de Ano Novo, em 1999, numa casa de campo na Polónia. Dezenas de pessoas - vindas de Moscovo, Nova Iorque, Londres ou Varsóvia - preparam-se para celebrar a chegada do ano 2000 com otimismo. Pensei nos filmes de guerra. As pessoas a divertirem-se ou a discutir futilidades, ignorando que as bombas e os soldados já estão próximos. Os últimos momentos de alegria, antes do confronto violento.

E é mais ou menos isso que se segue. Escreve a autora: "Volvidas quase duas décadas, eu atravessaria agora a rua para evitar algumas das pessoas que foram à minha festa de Ano Novo. Elas, por seu turno, não só se recusariam a entrar na minha casa como teriam vergonha de admitir que alguma vez lá tinham estado. Na verdade, quase metade das pessoas que foram àquela festa não falaria com a outra metade." As pessoas que estavam na festa eram "de direita": conservadores e liberais, admiradores de Thatcher, defensores da NATO, do mercado livre, da União Europeia, da democracia. Uma direita otimista e triunfante, que confiava nas instituições. Que combatia a esquerda, dentro das regras. Muito diferente de uma certa direita, que não é nova - porque tem demasiadas coisas parecidas com a antiga.

Anne Applebaum aborda a forma como a direita autoritária e populista chegou ao poder na Hungria e na Polónia, mas também nos Estados Unidos onde, hoje, se assiste ao regresso de Donald Trump à presidência. Anne descreve as táticas que os protagonistas desta direita usam para desgastar as instituições democráticas. Como usam, de forma quase científica, a calúnia e a mentira. Como inventam teorias da conspiração e campanhas de difamação. Como agitam medos e inventam ameaças. Como prometem o regresso a um passado que nunca existiu. Como defendem uma coisa e o seu contrário. Como defendem uma coisa e fazem outra. Como lutam pelo poder, apenas para exercerem o poder. Os valores e a ideologia têm muito pouco a ver com este contexto. Razão, pela qual, os partidos tradicionais têm tido muitas dificuldades em irem a jogo. Porque vão com as regras da democracia para um combate sem regras.

Apesar do retrato traçado, recorrendo a casos e períodos históricos, em que a democracia esteve em perigo, ou foi, mesmo, derrotada, a autora consegue, ainda assim, deixar uma nota de esperança. "O Crepúsculo da Democracia" é uma excelente reflexão sobre os tempos em que vivemos.

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Fraquinho

por Miguel Bastos, em 17.01.25

IMG_1388.jpegA minha firma pediu-me para começar a trabalhar de manhã cedo. Aquele "manhã cedo" que nada tem de "manhã clara", porque começa na noite escura. A "Rainha da Noite" ajudou-me a acordar, no disco que Natalie Dessay dedica às heroínas de Mozart. Apercebo-me, entretanto, que o meu carro está todo "girl power". Quanto a mim, estou sem energia nenhuma. Fraquinho, fraquinho…

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Piano de pau

por Miguel Bastos, em 16.01.25

jornais.jpg 

Tom Jobim ficou horrorizado, quando ouviu o pianista César Camargo Mariano chamar "piano de pau" ao piano acústico. "De pau", por oposição ao piano elétrico - que era de plástico. O episódio é contado por Ruy Castro no livro "O ouvidor do Brasil - 99 vezes Tom Jobim" e leva-o a uma reflexão mais alargada: "quando surge uma nova tecnologia, é a mídia antiga que muda de nome, e não o que acabou de chegar. Quando apareceu o CD, feito de metal, o velho LP passou a ser chamado de 'vinil', que é o material com que ele era fabricado. Porque não deixaram o nome LP em paz e, em vez disso, chamaram o CD de 'metal'?" E, a seguir: "Por que o telefone, diante dos celulares e 'smartphones', deixou de se chamar só telefone e tornou-se 'telefone fixo'? Por que o jornal, que há séculos nos abraça quando o abrimos de manhã, passou a ser chamado, diante dos jornais 'on-line', de 'jornal impresso' ou 'de papel'?"
 
São excelente questões. Querem ser novos? Ótimo! Mas arranjem um nome, por favor, não mudem o nome aos mais velhos. Sobretudo, quando os estão a imitar. Jobim tinha razão. Piano de quê? É preciso ter cara de pau!

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Teste de português

por Miguel Bastos, em 14.01.25

- Tu não tens de estudar, filho?
- Não.
- Mas sabes que tens teste de português?
- Sei.
- E então?
- Aquilo é chegar lá e inventar uma “escrevinhatura” qualquer.
- Sabes que “escrevinhatura" não existe, não sabes?
- Sei. Estava só a ser “engraçoso”.

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Valérie Perrin

por Miguel Bastos, em 13.01.25

valerie.jpg 

- De quem é que estão a falar, na rádio?
- De uma escritora francesa qualquer.
- Sim, mas como é que se chama?
- Acho que é Valérie Perrin, ou coisa assim.
- Gostas?
- Não sei, nunca li nada dela.
- Mas tens algum livro dessa escritora?
- Não.
- Ai isso é que tens!
- Se eu tivesse, lembrava-me.
- Não te lembras, porque eu ainda não te dei. Está aqui.
 
A Valérie Perrin estava escondida, aqui em casa, e eu não sabia. Hoje, até a trouxe para o trabalho.

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Eça de Queiroziu

por Miguel Bastos, em 10.01.25

O Ziu era uma personagem. Veio de Moçambique, carregado de histórias que nós adorávamos ouvir. Gostávamos bué: as palavras, os sotaques, as paisagens, os embondeiros, os machibombos, as praias, as mulatas - era tudo fascinante.

Mas Ziu tinha, também, tiques de aristocracia. O verdadeiro nome de Ziu era Queirós. Aliás, Queiroz - com "Z" - "como o Eça de Queiroz", dizia, "também se escreve com 'z'". Ele insistia no "Z" e lembrava que tinha raízes na Póvoa de Varzim, a sugerir uma possível ligação familiar: os Queirós, da Póvoa, com "Z". De modo que, a dada altura, deixámos de dizer "Queirós" para dizer "Queirós com zê"... e, depois, "Queirózze"... e, ainda, "Queiróziu"... até chegarmos ao sufixo "Ziu". Uma espécie de "Becas Araújo de Almeida e Sá", em sentido contrário. Em vez de um diminutivo a puxar um longo comboio de sobrenomes, fomos reduzindo a alegada origem aristocrata de Queiroz, até chegarmos a um monossílabo. Um monossílabo a lembrar uma onomatopeia da banda desenhada. Dizíamos "ziu, ziu" enquanto fazíamos gestos de espadachim. Ou, então, usávamos o "Ziu" como conjugação pronominal: "quere-ziu", "pediste-ziu", "chamaste-ziu". Enfim, um sem fim de disparates. O Ziu ria-se. Ríamo-nos todos. Ríamo-nos bué. BuéZiu.

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Em Tormes

por Miguel Bastos, em 09.01.25

IMG_1362.jpeg

Em, apenas, dois anos, Francisco Mota Saraiva ganhou o prémio revelação Agustina Bessa-Luís, o prémio José Saramago e uma bolsa Eça de Queiroz - para passar um mês, a escrever em Tormes. Foi lá que nos encontrámos.

Para ouvir, aqui:

https://www.rtp.pt/noticias/cultura/escrever-para-manter-eca-de-queiroz-vivo_a1626126


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Os ossos de Eça

por Miguel Bastos, em 08.01.25

EÇA TORMES.jpg

Eça foi a Baião. Calhou-lhe na rifa uma herança da mulher, que teria que visitar. "Que maçada", terá lamentado. Se fosse um de nós, a historia acabava aqui. Mas, Eça era escritor e era genial. E em vez de acabar com a história, resolveu escreveu uma: "A Cidade e as Serras".

Há várias histórias intricadas, dentro e fora do livro. Eça de Queiroz visitou umas ruínas perdidas na região do Douro e inventou uma história sobre a recuperação da propriedade. Mais tarde, na vida real, a família recuperou a propriedade - a partir da história de Eça. A casa foi arranjada e mobilada com os móveis que vieram de Paris (onde Eça era diplomata e morreu). Existe um caminho de Jacinto (o protagonista do livro), uma casa do Silvério (o caseiro) e um restaurante, com o nome de Tormes (terra inventada por Eça)

Regressei ao livro, em trabalho, e fui a Tormes - para acompanhar a homenagem que lhe fizeram, antes da trasladação para o Panteão.

Não resisto a partilhar este extrato de "A Cidade e as Serras:

"(...) o meu Jacinto preparou então a cerimónia tão falada, tão meditada, a trasladação dos ossos dos velhos Jacintos - dos 'respeitáveis ossos' como murmurava, cumprimentando, o bom Silvério". E, mais à frente, "Naquela confusão, quando tudo desabou, não pudemos mais conhecer a quem pertenciam os ossos (...) senhores de todo o respeito, mas, se Vossa Excelência me permite, senhores já muito desfeitos... Depois veio o desastre, a mixórdia. E aqui está o que decidi, depois de pensar. Mandei arranjar tantos caixões de chumbo, quantas caveiras se apanharam lá em baixo na Carriça, entre o lixo e o pedregulho. Havia sete caveiras e meia. Quero dizer, sete caveiras e uma caveirinha pequena. Metemos cada caveira no seu caixão. Depois: Que quer Vossa Excelência? Não havia outro meio! E aqui o sr. Fernandes dirá se não procedemos com habilidade. A cada caveira juntámos uma certa porção de ossos, uma porção razoável... Não havia outro meio... Nem todos os ossos se acharam... Canelas, por exemplo, faltavam! E é bem possível que as costeletas de um daqueles senhores ficassem com a cabeça de outro... Mas quem podia saber? Só Deus."

Eça a rir-se de si próprio. Eça a fazer-nos rir. Eça a rir-se de nós. Como sempre. 

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Arroz com favas

por Miguel Bastos, em 07.01.25

canto eça.jpg 

Numa variação d' "A poesia é para comer", de Natália Correia, apresento-vos a receita do "arroz com favas", de Eça de Queiroz.
Não, ele nunca o fez. Só o comeu. Eu, nem, isso.
 
Para ouvir, aqui:

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Liberdade

por Miguel Bastos, em 07.01.25

cravo.jpg

 
Levanto a cabeça. Estava enfiada num livro sobre o populismo e o autoritarismo que avançam, em vagas, sobre a democracia. A rádio acaba de revelar que a palavra do ano é "liberdade". Foi escolhida, pelos portugueses, como palavra do ano, numa votação da Porto Editora. Ficou à frente de "conflitos" e "imigração".
 
Uma escolha feliz, certamente influenciada pelos 50 anos do 25 de Abril. Foi, no entanto, uma vitória "à justa". Lembrei-me, então, desta foto -  que me foi enviada de Brasília, antes da invasão das instituições democráticas, por parte dos populistas. A lei e ordem, que dizem defender, só lhes serve em caso de vitória. A liberdade, também.
 
"Liberdade" é a palavra do ano. Celebremos, que é dever cívico.

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