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Ah, mas são Verdis! Hoje, é Dia Mundial da Ópera.
Credo, Cio-Cio-San, você hoje está impossível! Pense no seu nome: "Cio-Cio" deve ser para fazer pouco barulho, não acha? Estou, aqui, a tentar ouvir o noticiário e você "oh, oh, oh, que me dói a alma"; "uh, uh, uh, que o meu marido americano nunca mais volta". Ouça, Cio-cio, eu também tenho as minhas dores, mas contenho-me. E preciso de trabalhar, percebe? Você diz que é uma Madame, mas, no fundo, porta-se como uma diva!
Pessoas distraídas (sim, estou a falar para pessoas tipo eu): o verão já chegou!
E, no verão, diz a canção dos irmãos Gershwin, a vida é mais fácil.
"Summertime" nas mil e uma vozes de Al Jarreau, com um solo de pandeireta de Paulinho da Costa.
Primeiro, um piano minimalista. Poderia ser Philip Glass. Mas, 5 segundos depois, chega a voz de Rufus. Aos 30 segundos, chega, também, um violino. A tensão vai subindo, com a entrada da bateria e um som electrónico que lembra Kraftwerk. Pouco depois, explode o refrão: com os metais a juntarem-se às cordas e a um coro de vozes femininas. E é, então, que nos lembramos que Rufus é um compositor apaixonado por musicais; e ópera; e música sinfónica. E cantou Judy Garland; e escreveu duas óperas; e musicou poemas de Shakespeare. Pouco depois do minuto 2, uma pausa dramática serve, sobretudo, para relançar a tensão. A voz de Rufus sobe de tom, depois arrisca o falsete, e as vozes femininas começam a fundir-se com a eletrónica e os sons orquestrais, lembrando os ABBA em fim de carreira. E eu quase que não consigo respirar, e tento retirar a máscara. E, depois, reparo que não tenho máscara. É mesmo da música: de cortar a respiração. Que grande canção, Rufus Wainwright, que grande regresso.
Comecemos pelo estereótipo: a ópera é uma música cantada por pessoas com excesso de peso e de voz. As vozes são demasiado grossas ou demasiado estridentes. As histórias ou andam à volta de amores impossíveis e crimes passionais; ou guerras entre famílias ricas ou deuses gregos. As letras são em italiano ou alemão. E cantarem uma palavra, estendendo-a durante dois minutos, também não ajuda. Cheira a mofo. É de outro tempo.
E, no entanto, a ópera mexe-se.
A RTP2 tem estado a transmitir "Isto é ópera", de Ramon Gener. No último programa, Gener falou de Händel, o alemão que introduziu a ópera em Inglaterra. O apresentador (que é cantor e pianista) passeia-se por Londres, vai a lojas de bugigangas, anda de metro, ao som de pop, rock e jazz. Mostra a casa de Händel, encostada à casa de Jimi Hendrix. Vai ao West End, para contar que foi Händel que antecipou os musicais. Explica, com a ajuda de uma navalha e uma noz, como se castravam os cantores. Põe as pessoas a ouvir música clássica, de auscultadores, no meio da rua. E é assim, que as pessoas descobrem que Händel é o autor da música da coroação britânica ou do hino da liga dos campeões.
E, finalmente, Ramon sorri. Sorri muito. Fazendo da divulgação da música, um exercício de paixão e alegria. Tudo aquilo que não associamos à ópera. Trabalha nas óperas, no duro, porque sabe que nós somos uns preguiçosos. Mas com um coração, pronto a ser seduzido.