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"Ai, a gente já não pode ouvir falar da guerra!" A Dona Madalena leva a mão direita ao coração. Na esquerda, leva o saco das compras. "Só de pensar naquela gente toda a sofrer." Faço que sim, com a cabeça. "Já viu, havia de nos calhar isto, depois da pandemia". Ainda abro a boca para dizer "Depois da pandemia, que é como que diz". Na verdade, os números da Covid estão a subir, só que se fala menos do assunto. E a Síria não está melhor. Nem o Iémen, nem o Afeganistão, nem o norte de Moçambique. A crise climática continua e os plásticos continuam a acumular-se nos oceanos. A fome não acabou em África. É, por isso, que cada Miss Mundo, continua a desejar a paz e a dizer que não gosta da inveja e da mentira. Podia ter dito isto tudo à Dona Madalena, mas o peso que carrega no peito e no saco das compras já me parece demasiado.
Abdulrazak Gurnah ganhou o Nobel da literatura. Subitamente, a internet encheu-se de imagens de Kofi Annan. Não percebi porquê. Ou então... Ei, espera aí...
A Dinamarca prepara-se para oferecer as vacinas da AstraZeneca aos países pobres. Querem fazer um dois em um: evitar tromboses e mostrar que têm bom coração. Lembrei-me duma canção de José Barata-Moura tão atual, que lembra a solidariedade mais antiga do mundo: a caridadezinha.
Cabo Delgado tem estado longe das "gordas" dos jornais, da rádio e da televisão. Este trabalho, do enviado especial da Antena 1, Nuno Amaral, é uma ajuda importante para quebrar um silêncio que incomoda. A rádio - aquela que interessa e que importa - está aqui e agora, sempre; e no fim do mundo, quando é preciso. Ao fim e ao cabo, a rádio está onde deve estar: Cabo Delgado.
Pode ouvir aqui:
https://www.rtp.pt/noticias/mundo/cabo-delgado-numero-de-deslocados-continua-a-aumentar_a1300813
Cantou-se a Grândola, em São Tomé. Faltou Relvas, para ser perfeito.
O Presidente da África do Sul renuncia ao cargo. Jacob Zuma antecipa-se, assim, à moção de censura do seu partido: o ANC, do histórico Nelson Mandela. Catrapumba.
"Houve atores políticos que procuraram manipular as populações, ao serviço dos seus interesses. E, infelizmente, tiveram êxito." António Guterres falou. Não foi sobre a Catalunha. Foi sobre a República Centro Africana.
Lá em casa, tivemos sempre problemas com o "raça". Assim mesmo, com artigo masculino. Perante a minha irrequietude, a minha mãe dizia: "o raça do rapaz não pára quieto". Ou "o raça do rapaz nunca está calado". O "raça", portanto. O "raça", dizem os dicionários mais nobres, é uma expressão popular para exprimir descontentamento, irritação, contrariedade.
Lá em casa, o "raça" da torneira não funcionava, apesar dos esforços do meu pai. O "raça" do vizinho estacionava a camioneta à nossa porta. E o "raça" do forno queimava o assado de domingo. O "raça" levava sempre com a culpas. A raça também.
No livro "Brasil: Uma biografia", as historiadoras Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling contam-nos que, no século XIX, o "raça" dos brasileiros estavam preocupados com a raça. Para "purificarem" a raça brasileira, "ameaçada" pela sobrevivência dos índios e pela proliferação dos negros, os brasileiros queriam importar pessoas brancas e louras da Europa. Que "raça" de ideia!
Na Bósnia dos anos de 1990, a coisa foi mais difícil. Sem negros, nem índios, era preciso distinguir o "raça" de um eslavo do sul, do "raça" de outro eslavo do sul. Neste caso, a religião, explica Tim Butcher no livro "O Gatilho", serviu para dividir o que Deus uniu. E, depois de divididos, foi o "raça". Chamaram "limpeza étnica" à matança mais suja, levada a cabo na Europa, depois da Segunda Guerra Mundial.
"Raça" é isto: na Cova da Moura ou na cidade de Mossul. E é o raça.
A visita de Barack Obama ao Quénia tem um grande simbolismo. O presidente americano é (sempre) o político mais importante do mundo. Mas este, não é branco, forte, alto e louro. É filho de um queniano. É um negro amarelado, magricelas e com orelhas grandes (como ele se descreveu). Além disso, tem um nome esquisito, que inclui “Hussein”, como Saddam. Pior, é difícil.
Mas Obama ganhou as eleições, uma e outra vez. E, agora, voltou ao Quénia. Desta vez, na qualidade de presidente. Abraçou a meia-irmã Auma Obama; falou de corrupção e de direitos humanos; condenou a descriminação dos homossexuais e das mulheres. Referiu que “não há nenhuma desculpa para justificar a agressão sexual ou a violência doméstica”, nem “nenhuma razão” para a “mutilação genital”. Outro presidente americano podia ter dito isto. Mas foi Obama, que disse ainda “Sinto-me orgulhoso de ser o primeiro Presidente norte-americano a visitar o Quénia e, claro, por ser o primeiro Presidente queniano-americano a chegar a Presidente dos Estados Unidos da América”. E, dito assim, dito por quem é, tem um enorme significado. Não é um americano a ensinar a missa ao padre. É um dos nossos.