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"O senhor doutor tem tanto para fazer e anda aqui a perder tempo connosco". A tia estava incomodada. Tinha vindo trazer um leitão ao senhor doutor - para agradecer "por tudo" - e, agora, o senhor doutor agradecia o agradecimento, perdendo tempo connosco. Passeava pelas ruas, apontava estátuas, descrevia igrejas e museus, entrava em lojas de quadros. "Oh, senhor doutor!" De nada serviam as nossas explicações: que o "senhor doutor" era de história e gostava de museus, que era das artes e gostava de lojas de quadros. Em vão. A tia podia não perceber muito de história - nem de quadros, nem de estátuas, bem de livros - mas percebia de trabalho (oh, se percebia!) e aquilo não era trabalho. E, certamente, que o senhor doutor ("Não lhe chamem 'Manel', meninos, tenham respeito!") precisa de trabalhar, que ninguém chega a doutor sem trabalhar muito, sem queimar as pestanas. De modo que seguimos o passo estugado, da tia, e deixámos o doutor, apeado, a encolher os ombros e a piscar os olhos. Acho que o senhor doutor não percebeu a tia. Voltei paras trás, para lhe explicar, mas continuou sem perceber. Acho que vou ter que lhe fazer um desenho, que o doutor é das artes.