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O cancro de Sakamoto

por Miguel Bastos, em 14.12.22

sakamoto.jpg

Ryuichi Sakamoto está a morrer. Venceu um primeiro cancro, está a perder na luta contra o segundo. A primeira canção dele que me recordo de ter ouvido foi "Forbidden Colors". Foi na televisão, em teledisco (como, então, se dizia). Gostei, moderadamente. O cantor (David Sylvian) era demasiado parecido com os tipos dos Duran Duran. E eu estava a tentar sair dos Duran Duran. Depois, descobri que a canção era de um filme com o David Bowie. E eu estava a tentar entrar no David Bowie. Fique a meio da ponte.

Mais tarde, fui ver o filme "O Último Imperador", de Bernardo Bertolucci. Adorei o filme (é um dos filmes da minha vida) e a banda sonora. Procurei o autor. Eram dois: David Byrne (o gajo dos Talking Heads) e... Ryuichi Sakamoto (o tipo andava a perseguir-me). Ouvi o disco. Curiosamente gostei mais das composições do David Byrne, que eram mais "étnicas". As composições do Sakamoto eram mais "clássicas". E eu não gostava (nada) de música clássica. Mais, tinha medo de música clássica: a "Toccata e Fuga", do Bach, era música para filmes de terror; a sinfonia da banana, do Beethoven (aquela do "ba- na-na-naaa"), dava-me pesadelos. Mesmo assim, fui ouvindo e fui gostando, cada vez mais, do Sakamoto. Voltei atrás, para ouvir a banda sonora do tal filme com o Bowie. Era diferente, muito eletrónica. Fique baralhado, de novo.

Depois, disseram-me que ele tinha vindo de uma banda, uma espécie de Kraftwerk à japonesa. E fui ouvir outros discos. Que miscelânea! Tinha umas coisas pop muito comerciais, outras eletrónicas, outras que pareciam jazz, outras que pareciam clássica, mas com instrumentos eletrónicos. Depois, saiu uma canção com o David Bowie, que, afinal, era de um tal Iggy Pop, um imitador (pensei). E, a seguir, um disco com o tipo africano que cantava com o Peter Gabriel e vozes tradicionais japonesas e, até, uma canção em português, com um americano que tinha vivido no Brasil. Por essa altura, eu já estava completamente submerso na música de Sakamoto. Um génio: culto, criativo, curioso. Que observa, que absorve, e, depois, reescreve e arrisca. Conhece djs e experimenta a música eletrónica de dança (ele acha que os subgraves nos devolvem ao útero materno). Aproxima-se da bossa nova; lança discos de piano solo; e com pequenos ensembles; e com vastas formações orquestrais. Entra em casa de Tom Jobim, senta-se ao piano e edita um disco com o casal Morelenbaum. Um cidadão do mundo, que me abre ao mundo, continuamente.

Sakamoto é dos meus músicos e compositores preferidos. Acho que ele não iria gostar deste texto, tão cheio de passado. Ele sempre foi voltado para o futuro. Continua a ser. O cancro (sacana!) está a avançar e ele resolveu avançar também. Sentou-se ao piano e deu-nos o seu último concerto. O cancro devia era ouvir o piano de Sakamoto e chorar de vergonha. 

Sakamoto explica tudo, aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=ZhzpwR19UN4

E toca piano, aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=z9tECKZ60zk

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6 comentários

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Anónimo a 14.12.2022

Obrigada. É sempre um prazer passar por aqui.
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Miguel Bastos a 14.12.2022

Eu é que agradeço a visita!
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Ana CB a 28.12.2022

Tive a sorte de conhecer o trabalho dele logo nos anos 80, quando estava nos YMO. Curiosamente, nunca os achei parecidos com os Krafwerk, mas percebo que agora, à distância de tantos anos, essa comparação seja feita. Naquela altura, pop electrónica era coisa que não faltava. Depois saltou para a fama e foi mais fácil acompanhar o trabalho dele. Gosto mais de umas fases do que de outras, mas também foi sempre um dos meus músicos preferidos, bom em tudo aonde deita a mão, versátil e ecléctico. Ainda por cima, nunca se arrogou ares de estrela. E a humildade e serenidade com que se despede do seu público e do mundo são tocantes. Um fim de vida abreviado que é injusto e triste.
Parabéns pelo texto, gostei muito.
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Miguel Bastos a 28.12.2022

Obrigado, Ana. Sakamoto é tão eclético, que é possível gostar muito de umas coisas e não gostar de outras. Mas, a verdade é que também é possível gostar de tudo, mesmo que se goste mais de umas coisas do que de outras. É o meu caso. 
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José Geraldo Quirino a 28.12.2022

Muito boa sua resenha , me agradou mesmo....
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Miguel Bastos a 29.12.2022

Obrigado, José. Um abraço

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