por Miguel Bastos, em 23.06.23
- Sabes, os meus alunos...
- Sim...
- ... como é que eu hei de dizer? Não é que não sejam inteligentes..
- Mas, são maus alunos?
- Não, mas são desinteressados.
- Não estudam?
- Estudam e acabam por tirar boas notas. Mas são...
- Mas são...?
- Não há aqui médicos, pois não?
- Não.
- São médicos. É o melhor que eu posso dizer.
- Então, mas os médicos não são muito inteligentes? São bons alunos, as médias são altíssimas...
- Pois, (lá está) e eles estudam, marram aquilo tudo... mas falta-lhes tanta coisa.
- Por exemplo...
- Falta-lhes ciência: física, química, biologia...
- Ah...
- E falta-lhes mundo, pensamento abstrato, falta-lhes filosofia...
- A sério?
- E, a mim, falta-me paciência. E saúde, que não vou para nova. E tenho muitos amigos médicos. Por isso, convém que não me exceda nas considerações.
Riu-se, a minha amiga, com o seu riso desconcertante. Rimo-nos todos. Penso nesta conversa, de cada vez que ouço discursos arrogantes, de quem acha que sabe tudo. De médicos, sim, mas de outras profissões que beneficiam de um estatuto social, que outras não têm. E porque há sempre alguém que sabe mais do que nós e que sabe mais do que aqueles que acham que sabem muito. Porque, no fundo, ninguém sabe muito de tudo. Quando muito, uns sabem muito de umas coisas e outros sabem muito de outras coisas. Se percebêssemos isso, talvez passássemos, todos, a saber mais, sobre várias coisas.