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Tinha havido uma alteração de agenda e Carlos do Carmo não poderia falar comigo. Expliquei que a entrevista já tinha sido anunciada e que tínhamos de ter um plano b. Acabámos por marcar uma entrevista telefónica, com a promessa, da minha parte, de que não poderia ser muito longa. O Carlos, explicaram-me, não gostava de falar muito tempo ao telefone. Respondi que precisava apenas de 10 minutos ao telefone. Gravámos 12 e dei a entrevista por concluída. "Foi uma conversa muito agradável, sabe?", disse-me o charmoso do outro lado da linha, "Porque se sente que gosta de ouvir. Que idade tem?". "Menos de quarenta", respondi. "Interessante. Estava a tentar perceber a sua idade e não estava a conseguir". "E posso saber, porquê?", perguntei. "Porque, geralmente, as pessoas mais novas não têm paciência para ouvir e as mais velhas já não tem curiosidade para perguntar. Você parece que tem as duas coisas". E, depois, ficámos a conversar mais de meia hora. Carlos do Carmo, o cantor que não gostava de falar ao telefone, acabou a perguntar-me "Estou-lhe a roubar muito tempo, não estou?". Eu disse-lhe que não e ele atalhou "De certeza que tem mais que fazer. Deixe-me pedir-lhe que nunca perca a curiosidade e o gosto por conversar". Desligámos o telefone. A entrevista durou os 10 minutos programados. O melhor ficou para mim. Obrigado.
Já 100 anos e ainda tanto por descobrir.
Tenho pensado muito neste fado de Camané. "A minha rua" é um fado tradicional, com uma letra (maravilhosa) de Manuela de Freitas que parece ter sido feita para este dias.
Há quem diga "ainda bem",
Está muito mais sossegada
Não se vê quase ninguém
E não se ouve quase nada.
Eu vou-lhes dando razão
Que lhes faça bom proveito
E só espero pelo verão
P´ra pôr a rua a meu jeito
E, então, a fadista sentou-se com uma guitarra elétrica e tocou uma música acompanhada, apenas, de uma bola de espelhos que espalhou estrelas pela sala. Podia ter sido o cúmulo da piroseira, mas foi Carminho na sua plenitude. O melhor concerto que eu vi dela. A voz esteve irrepreensível e os músicos (guitarra portuguesa, viola de fado, baixo, guitarra elétrica e pedal steel) em ponto de rebuçado. A luz, as projecções e o cenário estiveram perfeitos: gerando um quadro diferente para cada canção. Carminho foi contida, quando repertório lho exigiu; espontânea, quando fez sentido; apaixonante, em qualquer dos casos.
Carminho domina o fado tradicional. Nasceu no meio dele. Mas é uma rapariga do seu tempo. E, por isso, tudo soou natural, orgânico, depurado, confeccionado e digerido ao detalhe. É certo que outros fadistas forçaram a corrente e abriram caminho para Carminho. Numa entrevista que lhe fiz, no início da sua carreira, reconheceu isso mesmo. Podem-lhe ter aberto caminho, mas foi ela quem o traçou a seu gosto. Que é, também, o nosso.
Há uns anos, o Tó-Zé Brito disse-me que os Beatles deixaram algumas das melhores canções da história da música popular; mas, por outro lado, perpetuaram a ideia de que os intérpretes devem ser autores das suas canções.
Carlos do Carmo ou Frank Sinatra nunca precisaram de escrever uma linha, para serem cantores de topo. É bom ser um Beatle, mas é difícil. Ser, ao mesmo tempo, bom músico, bom cantor, bom compositor, bom orquestrador e bem parecido - é coisa rara. Em Portugal, como no resto do mundo, há gente que canta bem, mas a letra é sofrível e a música fraquinha. Ou que é um excelente compositor, mas um intérprete questionável. A nova geração de fadistas, veio romper com essa necessidade de se cantar o que se escreveu. Temos António Zambujo ou Ana Moura a cantar letristas e compositores que, dificilmente, seriam ouvidos em Londres, Paris, ou Rio de Janeiro. Penso em Pedro da Silva Martins (Deolinda) ou Miguel Araújo, que são compositores e letristas dotados de um talento raro e precioso, que têm interpretes à altura do seu talento e vice versa.
É por isso que eu acho que a música portuguesa está a passar um bom momento. Portugal já não espera, como na canção de Jorge Palma. Portugal pensa e faz. E é ouvido.