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Era o país da pontualidade, mas, nos últimos meses, passa a vida a chegar atrasado. Enfim, uma vergonha. E agora, que já são 6 horas, vou tomar o meu chá das 5. Com a vossa licença...
Querida Theresa,
Como eu a compreendo. Uma vez, há muitos anos, liderei um processo parecido com o seu. Foi uma viagem de finalistas. Combinámos o destino e tentámos marcar a viagem numa agência - uma Euro-qualquer coisa, como se usava na altura. Quando tudo parecia decidido, houve quem não gostasse do preço e desistisse. Com essas desistências, a viagem ficou mais cara e outros desistiram a seguir. Tentei outros destinos, o que agradou a uns, mas levou a novas desistências. E os preços voltaram a subir. A última marcação veio com ultimato: "ou isto ou nada". Acabámos, uns poucos resistentes, exilados na Madeira, como o seu compatriota Churchill. Se precisar de mim, disponha. Boa sorte lá com os seus colegas e com a sua euro-agência.
“E, ali, estão os nossos inimigos”, terá dito Winston Churchill. “Na bancada dos trabalhistas?”, perguntou o jovem conservador. “Não, esses são os nossos adversários”.
Os britânicos são bons a sair. O Brexit é a prova disso mesmo. O antigo primeiro-ministro David Cameron saiu, antes mesmo da saída começar. Ontem, saíram o ministro do Brexit (David Davis) e o seu número 2 (Steve Baker). Hoje saiu Boris Johnson. Mas esta coisa de sair, ainda pode melhorar. Basta que os britânicos descubram porque é que saem, para quê, para onde e por onde…
Theresa May resolveu convocar eleições. Porque o país estava a precisar? Porque perdeu a confiança dos eleitores? Não. Apenas, porque achava que as podia ganhar.
Vamos a um ponto de situação. O seu antecessor, David Cameron, quis ter sol na eira e chuva no nabal. O nacionalismo e o populismo cresceram, dentro e fora do partido conservador, e Camerou achou que podia usar o descontentamento nas negociações com a União Europeia. Ameava sair e, depois, resolvia ficar, com melhores condições. O tiro saiu-lhe pela culatra e Cameron demitiu-se.
Ficou Theresa May que, também, fez campanha pela permanência, e que, agora, é uma entusiasta da saída. Não lhe fez confusão defender uma coisa e o seu contrário. Nem ser primeira-ministra, sem voto popular. Mas as sondagens davam-lhe uma vitória confortavel sobre os trabalhistas e Theresa não resisitiu. Pediu eleições. Só que Corbyn (qual Lili Caneças) provou que estar vivo é o contrário de estar morto. E parece que os trabalhistas vão ter um bom resultado.
Ou seja, May deverá ganhar (mas à justa) e sair fragilizada. Pelo meio, não se discutiu Brexit nenhum; a campanha falou de questões internas e deram-se dois atentados. Atentados que vieram lembrar que foi May quem retirou dinheiro, pessoas e equipamentos às forças de segurança. Teresa queria ganhar por muitos. Mas não vai ganahr nada com isto. Nem ela, nem ninguém. Mas, no fundo, "Ganhar ou perder é desporto".
Theresa May é a nova primeira ministra do Reino Unido. May foi contra a substituição de Tony Blair por Gordon Brown. Porque não houve eleições. Agora é primeira ministra, sem eleições. Porque mudou de opinião? Não, porque mudou de cargo. May chega ao cargo afirmando que “Brexit é Brexit”. May era eurocéptica. No entanto, fez campanha pela manutenção do Reino Unido na União Europeia. Agora, vai implementar o Brexit, na companhia de Boris Johnson. Johnson era o líder da ala conservadora que fez campanha pela saída. Agora, lidera a diplomacia do novo governo. Dá para perceber? Em teoria não. Na prática, sim. Percebe-se muito bem…
Quando Obama usou o slogan “Yes we can” lembrei-me da minha professora de inglês. Quando lhe que pedíamos licença para fazer alguma coisa usávamos a expressão “Can I?”. Ao que ela respondia “No, you can not. But, yes you may”. “May” é mais formal do que “Can”. Mas também tem menos força. O “Yes we Can", de Obama, sugeria capacidade de fazermos coisa juntos. Era sonho e utopia. Substituir “Can” por “May” não é só jogar com as palavras e com o sobrenome da nova primeira ministra. É substituir a utopia pela “realpolitik”. Mas, também, a convicção pela conveniência. E pela incerteza.
A discussão da Europa está em cima da mesa. Com a Europa a ser empurrada para a porta dos fundos. Catarina Martins também quis dar um empurrão. A altura não podia ser pior. Sejamos claros: a Europa pode e deve ser criticada. Mesmo quando se confunde Europa com União Europeia; com o Euro; com as instituições europeias. Pode (e deve-se) criticar a política orçamental; o peso da Alemanha; a falta de solidariedade dos países mais ricos, com os países mais pobres; sobre tudo o que entendermos. Mas, a verdade é que a Europa tem das costas largas. Mesmo que, às vezes, se diga “esta Europa” ao generalizamos, estamo-nos a atirar, todos, para fora da Europa.
Na ressaca do Brexit e da convenção do Bloco de Esquerda, os media abriram os seus fóruns à discussão da Europa. E aqui se confundem simpatizantes da extrema esquerda utópica, da extrema direita agressiva, salazaristas saudosos, anarquistas enfurecidos, socialistas zangados, social democratas desapontados, etc. Todos convergem para a crítica da Europa, mas por razões diversas e, muitas vezes, inversas.
Vale a pena lembrar que Marine Le Pen foi uma das que mais festejou a vitória do Brexit. E pediu, de imediato, um referendo, em França, sobre a Europa. E que será, sempre, um entusiasta de um próximo referendo. Não por ser um instrumento da democracia, mas porque é uma ótima arma de arremesso, contra a democracia. Catarina não se devia esquecer disso…
O senhor Trump está na televisão a dizer que o país voltou a ser independente. Alguém explique ao senhor Trump, que o Reino Unido não é bem um país. É mais um conjunto de "países". E que alguns desses "países" não querem sair da União Europeia (UE). E que, já agora, estava a falar num desses "países": a Escócia. Esse "país" votou, maioritariamente, "Remain" e quer, agora, fazer um referendo para votar a possibilidade de se separar do Reino Unido, permanecendo na UE. E que a Irlanda foi um "país", que se dividiu em dois. Agora, uma parte vai continuar no Reino Unido, que vai sair da Europa - apesar de ter votado na manutenção, e a outra parte, que tinha saído do Reino Unido, mas vai continuar na UE. E, entretanto, expliquem também ao senhor Trump, que as pessoas daquela zona ainda há pouco tempo andavam à porrada, aos tiros e às bombas. Ali e na capital do Reino, que também votou "remain".
A questão não é saber se concordamos, ou não, com o senhor Trump. A questão é que o senhor Trump não faz nenhuma ideia do que está a defender. E isso seria caricato, se não fosse perigoso. Tem graça quando falamos da eleição da Miss Mundo. Não tem, quando falamos do futuro da Europa, dos Estados Unidos e do mundo como o conhecemos…
Mas isso, devo ser eu que não percebo… Como não percebo Boris Johnson todo contente a dizer que ganhou a sua campanha de independência, mas que não tem pressa nenhuma em sair. Ai não!? Eu acho que para perceber melhor Trump, Johnson e o mundo, tenho de deixar de acompanhar a informação e passar a ver reality shows e ler revistas de cabeleireiros. E será essa a altura, em que passarei a perceber melhor os penteados dos dois senhores. Mas será, também, a altura em que perceberei que o mundo está mesmo assustador…
Cameron vai ficar na história. Mas não será por boas razões. A sua estratégia para desafiar a Europa e afirmar o poder do Reino Unido era um jogo perigoso. O resultado está à vista: saem todos a perder. Pior era difícil.
Dizem que Churchill foi um dos pioneiros da ideia de uma Europa unida. Era bom para a paz, para a economia, para a solidariedade. O projeto teria o apoio do Reino Unido, que, percebeu-se depois, não se incluía na Europa. Inclui-se, apenas, por exclusão de partes. Porque não é América, nem África, nem Ásia, nem Oceania. O Reino Unido sempre esteve com um pé dentro e outro fora da Europa. Por vezes, parece que faz bem. Quando, por exemplo, resiste à burocracia europeia que quer definir o tamanho das maçãs. Mas, outras vezes, é irritante. Quando faz valer o seu peso para negociar excepções, que não são permitidas a mais nenhum Estado.
Agora, a propósito da crise económica, da pressão migratória e do crescimento da direita radical, Cameron resolveu referendar a permanência do Reino Unido na europa. Vai-se votar “In ou “Out”. A coisa anda ao sabor da agenda mediática. Aparecem mais uns refugiados, cresce o “Out”. Fazem-as as contas ao impacto económico, sobe o “In”. Farage discursa de forma apaixonada e povo quer estar “Out”. Um louco mata uma deputada trabalhista, estamos “In”.
Independentemente do resultado ser “In” ou “Out”, já há um resultado que é certo. O Reino Unido está em tendência “down”, ou seja para baixo. E, com eles, descemos todos.