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- Ó pai, o "Quebra-Nozes" é um bocado música clássica para crianças. Não é?
- É.
- Então, esta música é um bocado Tchaikovsky para jovens. Não é?
- Para jovens como tu ou como eu?
- Como eu, pai.
- Ai sim?
- Sim, tu já és um jovem um bocado cota.
A questão é identitária: como ser alemão, depois do nazismo e da destruição da Alemanha, no final da Segunda Guerra Mundial? Qualquer afirmação identitária, no final dos anos 60, fazia soar o alarme e ressuscitar fantasmas. De resto, ainda faz. O livro de Uwe Schütte sobre os Kraftwerk fala, abundantemente, sobre o assunto. Nascidos na Alemanha Ocidental, na cidade Düsseldorf, em plena região industrial do Reno-Ruhr, os Kraftwerk queriam fazer um tipo de música que se inspirasse e refletisse a cultura alemã. Começaram por negar todos os clichês da música pop-rock anglo-americana: os cabelos compridos, as calças de ganga, os casacos de cabedal, as poses "sexy", as guitarras. De seguida, assumiram a ideia estereotipada dos alemães: frios, disciplinados, eficientes, burocráticos. Visualmente, pareciam cientistas ou engenheiros ou académicos ou gestores. Definiram-se - não como artistas ou músicos - mas, como "trabalhadores". Era tudo tão exagerado, que alguns perceberam logo que havia um lado profundamente irónico e subversivo. Outros não perceberam, ou demoraram mais tempo a perceber. Exploraram temas relacionados com a ciência e a tecnologia, desenvolvendo (e personificando) a relação homem/máquina. E fizeram-no, buscando inspiração em várias referências artísticas alemãs, da República de Weimar: do cinema, da fotografia, do design ou da arquitetura. No fundo, defende Uwe Schütte, os Kraftwerk foram buscar muitas das ideias de futuro, nesse passado: fosse no cinema de Fritz Lang, ou no design da Bauhaus. Essa opção artística ajuda-nos a perceber porque é que, ao fim de mais de 50 anos, ainda faz sentido um livro com este título "Kraftwerk: Future Music from Germany". Porque é que os Kratfwerk ainda são futuro.
Esta manhã, fez uma chamada para a corresponde em Londres.
A seguir, passou este "London Calling".
Só para chamar a atenção. Está toda gaiteira, a minha rádio.
Sinéad O'Connor morreu. Como muita gente, fui (re)ouvir "Nothing Compares 2 U". E gostei muito. Gostei menos da forma como muitos reduziram a sua carreira a essa canção, salientando que era de Prince. Sejamos francos: só conhecemos "Nothing Compares 2 U", por causa de Sinéad O'Connor. Ninguém conhecia a canção de Prince antes dela a ter cantado, poucos a conheceram depois. E é, apenas, uma - entre muitas - de Prince. O disco que acolhia "Nothing Compares 2 U" ("I Do Not Want What I Haven't Got ") foi um sucesso, mas não era um disco fácil. De resto, Sinéad nunca foi fácil - razão pela qual muitos desistiram dela. Estou entre esses, infelizmente. Voei para outras paragens, enquanto ela se afundava na sua própria cabeça: tão bonita por fora, tão atormentada por dentro.
(Escreve, Miguel, para aqueles dias em que tens dúvidas se estás a dar uma boa educação aos miúdos)
- O que é que estamos a ouvir, pai?
- Então, já ouvimos este disco tantas vezes.
- Eu sei, mas não me estou a lembrar. Eu conheço esta voz.
- Queres arriscar?
- Ainda não. Agora, é uma cantora...
- Chama-se Régine. E tem um convidado especial.
- É o Peter Gabriel.
- Como é que sabes, filho? Quase que nem se nota!
- Nem se nota? Oh, pai, esta voz é inconfundível!