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Escrevi este texto, em 2017, por altura da morte de Mário Soares. Achei que fazia sentido voltar a este texto, no dia da morte de Freitas do Amaral.
Foi uma grande campanha eleitoral: Soares contra Freitas, nas Presidenciais de 1986. Freitas fez uma campanha à americana: jovem, moderna, com um slogan irresistível, com a sua mulher bonita ao lado. A malta do liceu andava muito excitada com o Freitas. Eu também estava fascinado, com o antigo líder do CDS. Os cartazes, os autocolantes, as bandeiras. "Prá frente portugal?", claro que sim!
Mas, depois, a minha irmã chegou a casa, toda "Soares é Fixe!", com uns autocolantes que faziam lembrar o "Nuclear não, obrigado!", e o meu coração vacilou. Eu achava que o "bochechas" estava velho. Mas a minha irmã dizia que não, que o outro era mais novo mas tinha ideias velhas. Freitas, dizia ela, era um reaccionário de direita e só os fascistas é que gostavam dele. Além do slogan, a música de apoio a Soares do Rui Veloso também era fixe, e o MASP (Movimento de Apoio Soares à Presidência) crescia de dia para dia, com o apoio de gente fixe. Depois, os comunistas taparam a cara de Soares; Soares ganhou; Freitas perdeu mais do que seria admissível e a política foi ficando mais tecnocrática e cinzenta. Cavaco teve culpas no cartório. Soares, o rei-republicano, também. E nunca mais houve uma campanha, como a de 1986.
Mas, sim, Soares foi (mesmo) fixe.
“Querem é tacho!” “Não ligam ao povo!” “Só pensam nos votos!” “Não dão nada a ninguém!” São os políticos: na versão ‘gajo de alfama’, ou na versão ‘homem do norte’. Todos iguais? Claro que não.
Salgado Zenha e Mário Soares. Eram da mesma barricada, da mesma luta, do mesmo partido. E muito diferentes. Zangaram-se por causa de Eanes, dividiram o PS, separaram-se. Zenha era parecido com Eanes. Gostava dele. Soares não. Nas presidenciais de 1986, os dois fundadores do PS concorreram, um contra o outro. Zenha tinha o apoio do, então, Presidente da República. Na biografia de Ramalho Eanes, de Isabel Tavares, a secretária de Eanes, que dirigiu a campanha de Zenha, conta uma história, hilariante.
“Tínhamos uns lenços verdes e vermelhos para trazer ao pescoço. Uma senhora chega perto de senha e pede-lhe o lenço. Ele responde: ‘Não dou, que este é meu.’ Eu vejo aquilo e faço menção de tirar o meu para lho dar. Diz ele: ‘Não, não dá que esse é seu. Olhe, minha senhora, já não há lenços, já não leva nenhum’ Ele era assim. Deve ter perdido muitos votos”. Pois deve. E para alguém, muito diferente, que pensava mais em votos e menos em lenços.
Os políticos não são todos iguais. Mas é verdade: há políticos que não dão nada a ninguém. Normalmente, perdem eleições.
O corpo de Mário Soares vai ser enterrado, hoje, no Cemitério dos Prazeres. O cemitério tem um nome adequado, para um homem dado aos prazeres. Soares tinha muitos, além da política: conversar, dormir, comer, fumar, beber, ler, escrever, nadar, viajar, vestir, descalçar. E não os escondia, pelo contrário. Ricardo Araújo Pereira, no Governo Sombra, destacou que o jovem Mário, então militante comunista, não queria ir para a clandestinidade, porque queria namorar e conhecer gajas.
O programa, emitido no dia da morte do ex-presidente, foi das melhores conversas à volta de Soares. Porque se falou de um homem com todas as virtudes e defeitos. Ressalvando que alguns defeitos foram também as suas virtudes. Foi também uma conversa jovem e arejada. É bom ter os mais velhos a falar de Soares. Mas, quando se tem, apenas, os mais velhos, acaba por transpirar uma ideia de passado - que não combinada com alguém que se candidatou à Presidência da República depois dos 80 anos e que, de seguida, promoveu uma solução de esquerda, semelhante à que está em vigor neste momento.
Portanto, Soares morreu. Mas ainda está presente. O seu corpo será enterrado no Cemitério dos Prazeres. Os seus prazeres poderão, no entanto, andar por aí… à solta. Saibamos honrá-los.
Foi uma grande campanha eleitoral: Soares contra Freitas, nas Presidenciais de 1986. Freitas fez uma campanha à americana: jovem, moderna, com um slogan irresistível, com a sua mulher bonita ao lado. A malta do liceu andava muito excitada com o Freitas. Eu também estava fascinado com o antigo líder do CDS: os cartazes, os autocolantes, as bandeiras. "Prá frente portugal?" Claro que sim!
Mas, depois, a minha irmã chegou a casa, toda "Soares é Fixe!", com uns autocolantes que faziam lembrar o "Nuclear não, obrigado!", e o meu coração vacilou. Eu achava que o "bochechas" estava velho. Mas a minha irmã dizia que não, que o outro era mais novo mas tinha ideias velhas. Freitas, dizia ela, era um reaccionário de direita e só os fascistas é que gostavam dele. Além do slogan, a música de apoio a Soares do Rui Veloso também era fixe, e o MASP (Movimento de Apoio Soares à Presidência) crescia de dia para dia, com o apoio de gente fixe. Depois, os comunistas taparam a cara de Soares; Soares ganhou; Freitas perdeu mais do que seria admissível e a política foi ficando mais tecnocrática e cinzenta. Cavaco teve culpas no cartório. Soares, o rei-republicano, também. E nunca mais houve uma campanha, como a de 1986.
Mas, sim, Soares foi (mesmo) fixe.
Acabei, ontem, de ler a biografia de Mário Soares, com a assinatura de Joaquim Vieira. “Uma Vida” é o subtítulo desta biografia. Uma vida cheia. Ao final do dia, a notícia do internamente de Soares, veio lembrar-me que qualquer vida, por mais cheia que seja, chega ao fim. A de Soares ainda não chegou, mas o fim (percebe-se) está próximo.
“Uma vida” é um trabalho de fundo: com investigação, entrevistas, base bibliográfica sólida, trabalho jornalístico. Há até pontos em que as biografias dos dois se cruzam. Joaquim Vieira começa por referir que conheceu Soares, antes do 25 de Abril em Paris: Mário era um exilado célebre do regime, e Joaquim um jovem com simpatias albanesas. Mais tarde Soares, Presidente, zanga-se com Joaquim, jornalista do Expresso, por causa do famoso caso do “fax de Macau”.
Mas os dois respeitam-se, isso é visível ao longo do livro. Mais de 800 páginas de acção, crime, intriga, sexo, corrupção. Enfim, todas as coisas que fazem um bom “thriller” ou uma aventura de James Bond. No final, sabe a pouco. Porque Soares parece ter mais do que uma vida, teve várias. Umas correram melhores do que outras. E ele sempre assumiu isso. É a vida!
Durante muitos anos, agarrei-me a Mário Soares. Tinha lido, num jornal, que Soares, sempre fora atento e curioso, mas nunca tinha sido grande aluno. O artigo dizia que havia alunos que não eram bons, porque não queriam saber de nada; e alunos que não eram bons, porque queriam saber de tudo. Era o caso de Soares. Eu assumi que era um desses: “um aluno-Soares.”
Até que descubro, na (excelente) biografia de Soares, de Joaquim Vieira, que o jovem Soares não se interessava por nada. Não gostava de estudar, não sentia curiosidade por nada, que não fosse política. Seria, então, um teórico fascinado pela grandes narrativas políticas? Não, não tinha paciência, gostava mais de acção. Que tipo de acção? Queria ser um grande professor, gerir a escola do pai? Não era bem isso. Queria ser engenheiro ou arquiteto, fazer estradas e pontes? Não, não tinha competências técnicas para isso, nem queria ter. Acção armada? Nem pensar, não é do seu género. Nem sequer irá à tropa. Acção, para Soares, era fazer papéis, colar cartazes, viajar, fazer contactos, fazer discursos. Ou seja, além de ter sido, sempre, um menino-família; Mário Soares já era um boy, numa altura em que não havia “jotas”, nem partidos.
Olho para a capa da Visão. Vejo Guterres: de olhar vivo e sorriso rasgado e de bigode. Foi o bigode que deixou crescer, para homenagear Salvador Allende. O (excelente) artigo da revista dá-nos uma boa ideia de quem tem sido Guterres e porque é que ele está na posição de se tornar no senhor ONU. Ao longo dos anos, o antigo primeiro-ministro (à semelhança da generalidade da classe política) foi alvo da ironia e do desdém dos intelectuais que se passeiam nos media portugueses. Não é a crítica que me incomoda, é o snobismo aristocrático.
Portugal, país pequeno e periférico, tem conseguido gerar políticos de elevada projeção internacional: Freitas do Amaral, Mário Soares, Durão Barroso, António Guterres. E, no entanto, a "aristocracia" que vagueia entre os media e a academia, persiste em falar da falta de qualidade dos nossos políticos. Claro que o desempenho de Durão Barroso na Europa e a sua entrada para o Goldeman Sachs não ajudam a defender a classe política. Ou o caso Sócrates. E há muito mais exemplos. Mas, também, há Guterres.
Vasco Pulido Valente chamou-lhe picareta falante. Quando Vasco fala, os media portugueses ouvem. Mas é Vasco que fala demais e, apenas, para uma pequena paróquia de acólitos. Guterres segue o seu caminho, indiferente. Guterres dá-lhes um bigode.
“Eanes é um senhor. Ontem, esteve bem ao falar do ultimato. Sampaio também esteve muito bem. São dois grandes senhores. Continuam a ser. Foram os melhores Presidentes da República. O Soares não foi mau. Esteve bem no primeiro mandato, mas no segundo excedeu-se. Não admira. É um egocêntrico. Só pensava em si. Era ele e ele e a mulher dele… Ainda bem que saiu.”
Não cheguei a saber o que é que a minha amostra de duas senhora na casa dos 60/70 anos, classe media alta, que frequentam a minha pastelaria acharam de Cavaco. De Marcelo, uma tem-lhe simpatia a outra responde “É muito fala barato e, em termos de ego, lembra o Soares”.
É, por isso, que é muito difícil de falar sobre “os portugueses”, atribuindo-lhe características comuns. Mário Soares foi um Presidente extremamente popular. E, no entanto, muita gente que não gostava dele. Como a senhora ao meu lado. A conversa começou com um “Viu o programa sobre o Marcelo?” e com a resposta “Não vi não. Mas também não me interessava muito, queria ouvir o Eanes e o Sampaio”.
Marcelo no lançamento do livro sobre Marcelo. Marcelo na última aula. Marcelo na última arguência. Marcelo a torcer pelo Braga. Marcelo a dizer que o Presidente não pode tomar banho no mar. Não há dúvida: a imprensa está enamorada por Marcelo. Chamam-lhe “Presidente Eleito”, uma nomenclatura que nunca tinha sido usada em Portugal. A imprensa não refere a fonte. Foi Cavaco que o batizou. A imprensa não cita Cavaco.
Mário Soares foi, durante muitos anos o “ex-Presidente”. Mais uma designação que nunca tinha sido usada. Foi difícil despedirmo-nos do Presidente Soares. Soares era fixe. Sempre foi. Soares dise que Sócrates era o anti- Guterres. Marcelo é o anti-Cavaco. Cavaco é formal, Marcelo é familiar. Cavaco é palavroso, Marcelo é direto. Cavaco é sisudo, Marcelo é bem-humorado. Cavaco é frio, Marcelo é quente. Marcelo é “cá dos nossos”. Tem a imagem certa, o ritmo certo, as palavras certas.
Enquanto Cavaco se despede do cargo, os media “fingem” que foi despedido. Tem os índices de popularidade mais baixos de sempre, é certo. Mas foi votado: uma, duas, três… várias vezes. Há uma espécie de alívio coletivo pela saída de Cavaco. Mas ele sai pelo seu pé. As atenções voltam-se agora para Marcelo.
Pacheco Pereira devia sair do PSD. A sugestão foi de um deputado do partido. Quem? Duarte Marques. Quem? Pois, o problema começa aqui. Os jornais andaram a fazer manchetes com uma declaração de Duarte Marques, que ninguém sabe quem é.
Já Pacheco Pereira é bem conhecido. Militou na extrema-esquerda, “centrou-se” na campanha presidencial de Soares, “endireitou-se” com as maiorias de Cavaco Silva. Foi deputado, líder da bancada laranja, vice-presidente do Parlamento Europeu. Mas, conhecemos Pacheco Pereira, sobretudo, dos media. Ele está, há mais de 30 anos, nos jornais, revistas, rádio, televisão, blogosfera. Pacheco Pereira está em todas. Está nos livros, que lê e colecciona, e nos que escreve, com destaque para a extensa biografia de Álvaro Cunhal.
Há pouco mais de um mês, o subdiretor do DN, perguntava-lhe porque é que permanecia militante do PSD se, nos últimos anos, estava sempre a fazer-lhe oposição. Pacheco Pereira responde que o PSD actual, não é o PSD da sua história e mantém a esperança que o PSD recupere a posição charneira entre o centro-esquerda e o centro-direita. Pacheco ainda acredita que o partido mude. Olhando para Duarte Marques, diria que há coisas que nunca mudam…