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"As delícias do mar levam caranguejo?!", perguntei intrigado. Devolveram-me um "Sim", irónico, e uma contra pergunta: "Porquê, achavas que eram feitas com lavagante?". "Não", confessei, "achava que eram 100% artificiais". Pensei nesta conversa, porque o João Gobern tem um novo livro, sobre a indústria musical. O João traça - com rigor, mas, também, com uma certa mágoa - o retrato da decadência desta indústria, marcada pela perda de importância do disco - uma consequência do "download" e do "streaming". No entanto, acabei o livro (em dia de reflexão nacional) com algum otimismo: "Com que então, ainda há indústria... ". Nada mau. Ah, e o livro é (naturalmente) uma delícia.
Foi eleito deputado: "para que possamos ter Portugal para os portugueses e não mais para a imigração". Disse, no seu sotaque do Brasil - país para esteve emigrado, durante 70 anos. Oi?!
"O apagão fez acender um amor, inesperado, à rádio", escrevei há um mês. Nessa altura, lembrei-me de um outro apagão no (fugazmente ressuscitado) Rádio Clube Português. Dessa vez, o apagão chegou com aviso. A zona dos estúdios da Media Capital Rádios iria ficar sem eletricidade, devido a uma intervenção na rede elétrica. O aviso fora comunicado à empresa que detinha, ainda, a Rádio Comercial, a m80, entre outras. Aos microfones do Rádio Clube Português, Aurélio Gomes e Teresa Gonçalves (acho que não me estou a enganar) partilharam a informação com os ouvintes. Iriam fazer emissão, até deixar de ser possível.
O que se ouviu, depois, foi ao apagão da rádio em direto. "A eletricidade acabou de ser cortada. A partir de agora estamos a funcionar, apenas, com o recurso aos geradores da Media Capital". O episódio foi há mais de 15 anos, e não me lembro da sequência. Mas, o que aconteceu foi que os equipamentos foram entrando em falência, uns atrás dos outros: "já não temos internet"; "a rede interna deixou de funcionar"; "perdemos o contacto com a régie"; "ainda temos música", "o sistema de áudio colapsou", "a mesa de mistura, vai-se apagar", "vamos deixar de ter microfones dentro de alguns segundos". Até que chegou o silêncio.
Comentámos - entre nós, na rádio - aquilo que tinha acabado de suceder. Houve quem achasse que a emissão não tinha feito sentido nenhum. Devia-se ter dito, logo, que "a partir das 'x' horas, vamos deixar de ter emissão". Outros acharam brilhante, a ideia de emitir até ao apagão total. Eu era um desses. Sei que muita gente ouviu com a curiosidade de ver o acidente na autoestrada. Mas eu achei muito interessante levar a resistência da rádio, até ao limite. Como aconteceu, há um mês. Desta vez, porém, a minha rádio não se calou.
"Desalmadamente", foi o disco que trouxe de volta Lena d'Água. O disco é maravilhoso e a história é encantadora. Vou resumir. Lena nasceu cantora, num país de bigodes e camisas de flanela. Era jovem, linda e fresca e teve um sucesso arrebatador, nos anos 80. Nos anos 90, o sucesso começou a desvanecer-se, até que Lena quase desapareceu. Nos últimos anos, foi sendo - aqui e ali - (re)descoberta por uma geração de músicos mais jovens. Até que um compositor (Pedro Silva Martins, da Deolinda - admirador de Lena, desde criança) resolveu escrever-lhe um disco inteiro. O disco foi bem acolhido, mas não foi um fenómeno - como os Humanos ou o Buena Vista Social Club. A pandemia terá desajudado.
Cá em casa, gostámos tanto de "Desalmadamente" que, quando chegou o Natal, comprámos dois exemplares do sucessor - o igualmente maravilhoso "Tropical Glaciar". Tem boas canções (música e letra), bons arranjos e bons músicos (gente da Deolinda, do Godinho, dos Ornatos, dos Clã). A voz de Lena teima em não envelhecer e está tão à vontade nos temas mais introspectivos ("O que fomos e o que somos" ou "Metaversão") como nas canções mais enérgicas ("Carne Vegan" e "Pop Toma"). Numa evocação de Bordallo, Lena atira "Queres pop, toma". Quero, tomo e pago já. Que, isto, nunca fiando.
Para ouvir, aqui:
112 é número de emergência. Mas, neste caso, é número de permanência. Se fosse viva, Helena Sá e Costa faria 112 anos. Permanece um dos nomes mais importantes da música clássica, em Portugal. Permanece, nas mãos dos pianistas - seus discípulos. Há poucos dias, conversei com um: António Pinho Vargas. Há poucos meses, conversei com outro: Pedro Burmester. Pedro vai tocar esta tarde, com Fausto Neves (outro discípulo), na casa da família. Juntos vão interpretar uma peça para dois pianos, que o pai de Helena escreveu e tocou com a filha. E vão tocar no piano do pai e no piano do avó de Helena. Mais intimidade é difícil.
Para ouvir, aqui:
O amarelinho tem um amigo novo. Mágico.
Na rádio, não usamos legendas. Fazemos dobragens. É preciso gravar o original, selecionar, editar, escrever a tradução, gravar a voz, montar. Por vezes, o conjunto das várias tarefas é feito pela mesma pessoa. Outras vezes, (por exemplo, por questões de tempo) precisamos de envolver mais pessoas. É frequente pedirem-me para gravar uma tradução, de uma declaração de alguém que não faço ideia quem é. Sou, muitas vezes, surpreendido, em casa ou no carro, pela minha voz a fazer de comissário europeu, de escritor sul-americano, de presidente africano. Ontem, fiz de chefe humanitário das Nações Unidas. Sei-o, porque as palavras me arrepiaram e quis saber de quem eram.
"Há 14 mil bebés que vão morrer, nas próximas 48 horas - a menos que consigamos ajudá-los. Não é comida que o Hamas vá roubar. Vamos correr o risco de levar aquela comida às mães, que não conseguem alimentar os bebés. É arrepiante, absolutamente arrepiante, mas isto é o que nós fazemos. Vamos persistir, seremos impedidos de passar, correremos enormes riscos, mas não vejo outra solução que não seja levar esta comida de bebé às mães que não conseguem alimentar os próprios filhos."
O bloqueio israelita dura há mais de 11 semanas.
Estou a olhar para este recibo da farmácia. De um valor total de 288 euros, o Estado comparticipa 227. Ora aí está um exemplo prático, para responder ao "pagamos impostos para quê?" Sim, é para isto. Mesmo assim, o utente vai ter de pagar 61 euros. E mesmo que - à primeira vista - pareça um valor residual, provavelmente, vai ter dificuldade em fazê-lo. Sim, em Portugal os salários são muito baixos e as reformas ainda mais. E muitos dos clientes das farmácias, são pessoas de idade. E muitos utentes dos centros de saúde e dos hospitais também. E, muitas vezes, são mal atendidos - porque os hospitais estão "num caos" e o "SNS está em falência". Não está. Tem dificuldades, sim. Mas acolhe, sempre. E é, por isso, que um líder partidário pode usar várias instituições de saúde em dois dias e seguir em frente - com as câmaras atrás - a falar do "caos" e da "falência". E a ser ouvido, porque há muita gente a passar mal. E o mal não passa com "percentagens", com "convergências", com "o funcionamento das instituições". Mas também não passa sem elas.
Podemos (e devemos) ser mais exigentes com os governantes, com os partidos, com as instituições públicas. Mas exigir é diferente de dinamitar. Até porque, na ânsia de demolir, arriscamo-nos a ficar debaixo dos escombros.