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Eça foi a Baião. Calhou-lhe na rifa uma herança da mulher, que teria que visitar. "Que maçada", terá lamentado. Se fosse um de nós, a historia acabava aqui. Mas, Eça era escritor e era genial. E em vez de acabar com a história, resolveu escreveu uma: "A Cidade e as Serras".
Há várias histórias intricadas, dentro e fora do livro. Eça de Queiroz visitou umas ruínas perdidas na região do Douro e inventou uma história sobre a recuperação da propriedade. Mais tarde, na vida real, a família recuperou a propriedade - a partir da história de Eça. A casa foi arranjada e mobilada com os móveis que vieram de Paris (onde Eça era diplomata e morreu). Existe um caminho de Jacinto (o protagonista do livro), uma casa do Silvério (o caseiro) e um restaurante, com o nome de Tormes (terra inventada por Eça)
Regressei ao livro, em trabalho, e fui a Tormes - para acompanhar a homenagem que lhe fizeram, antes da trasladação para o Panteão.
Não resisto a partilhar este extrato de "A Cidade e as Serras:
"(...) o meu Jacinto preparou então a cerimónia tão falada, tão meditada, a trasladação dos ossos dos velhos Jacintos - dos 'respeitáveis ossos' como murmurava, cumprimentando, o bom Silvério". E, mais à frente, "Naquela confusão, quando tudo desabou, não pudemos mais conhecer a quem pertenciam os ossos (...) senhores de todo o respeito, mas, se Vossa Excelência me permite, senhores já muito desfeitos... Depois veio o desastre, a mixórdia. E aqui está o que decidi, depois de pensar. Mandei arranjar tantos caixões de chumbo, quantas caveiras se apanharam lá em baixo na Carriça, entre o lixo e o pedregulho. Havia sete caveiras e meia. Quero dizer, sete caveiras e uma caveirinha pequena. Metemos cada caveira no seu caixão. Depois: Que quer Vossa Excelência? Não havia outro meio! E aqui o sr. Fernandes dirá se não procedemos com habilidade. A cada caveira juntámos uma certa porção de ossos, uma porção razoável... Não havia outro meio... Nem todos os ossos se acharam... Canelas, por exemplo, faltavam! E é bem possível que as costeletas de um daqueles senhores ficassem com a cabeça de outro... Mas quem podia saber? Só Deus."
Eça a rir-se de si próprio. Eça a fazer-nos rir. Eça a rir-se de nós. Como sempre.