Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Paris. Lembro-me que chegámos, excitadíssimos, ao Centro George Pompidou. As 10 horas ainda não tinham chegado e a manhã já era quente, luminosa e barulhenta. O edifício revelava-se a escultura pós-modernista das fotografias: vidro, metal, túneis de teletransporte, tubos de todas as cores. E o melhor estava para vir: Kandinsky (eia!), Matisse (hum!), Picasso (uau!), Miró (fuuu!). Depois de uma sanduíche leve, e breve, mais telas, mais esculturas e instalações, e mais "uaus!" de alegria e espanto. As horas foram passando, as pernas começaram a pesar, a barriga a reclamar que a arte não puxa carroça. Já não respondemos, com excitação, às instalações de Yoko Ono e bordejámos, exaustos, o urinol de Duchamp. Saímos, cilindrados, da nave espacial - a sentir os efeitos do "jet leg" no corpo. Eram, novamente, 10 horas. Só não eram da noite, como nesta fotografia, porque estávamos no verão. O Pompidou foi uma experiência do outro mundo. Creio que ainda é.
- Hoje, devíamos jantar mais cedo.
- Certo, mãe.
- Como almoçámos bem, comemos uma sopa, por volta das sete.
- Combinado. E às oito, comemos o quê?
"O Crepúsculo da Democracia" começa como se fosse um filme. Uma festa de Ano Novo, em 1999, numa casa de campo na Polónia. Dezenas de pessoas - vindas de Moscovo, Nova Iorque, Londres ou Varsóvia - preparam-se para celebrar a chegada do ano 2000 com otimismo. Pensei nos filmes de guerra. As pessoas a divertirem-se ou a discutir futilidades, ignorando que as bombas e os soldados já estão próximos. Os últimos momentos de alegria, antes do confronto violento.
E é mais ou menos isso que se segue. Escreve a autora: "Volvidas quase duas décadas, eu atravessaria agora a rua para evitar algumas das pessoas que foram à minha festa de Ano Novo. Elas, por seu turno, não só se recusariam a entrar na minha casa como teriam vergonha de admitir que alguma vez lá tinham estado. Na verdade, quase metade das pessoas que foram àquela festa não falaria com a outra metade." As pessoas que estavam na festa eram "de direita": conservadores e liberais, admiradores de Thatcher, defensores da NATO, do mercado livre, da União Europeia, da democracia. Uma direita otimista e triunfante, que confiava nas instituições. Que combatia a esquerda, dentro das regras. Muito diferente de uma certa direita, que não é nova - porque tem demasiadas coisas parecidas com a antiga.
Anne Applebaum aborda a forma como a direita autoritária e populista chegou ao poder na Hungria e na Polónia, mas também nos Estados Unidos onde, hoje, se assiste ao regresso de Donald Trump à presidência. Anne descreve as táticas que os protagonistas desta direita usam para desgastar as instituições democráticas. Como usam, de forma quase científica, a calúnia e a mentira. Como inventam teorias da conspiração e campanhas de difamação. Como agitam medos e inventam ameaças. Como prometem o regresso a um passado que nunca existiu. Como defendem uma coisa e o seu contrário. Como defendem uma coisa e fazem outra. Como lutam pelo poder, apenas para exercerem o poder. Os valores e a ideologia têm muito pouco a ver com este contexto. Razão, pela qual, os partidos tradicionais têm tido muitas dificuldades em irem a jogo. Porque vão com as regras da democracia para um combate sem regras.
Apesar do retrato traçado, recorrendo a casos e períodos históricos, em que a democracia esteve em perigo, ou foi, mesmo, derrotada, a autora consegue, ainda assim, deixar uma nota de esperança. "O Crepúsculo da Democracia" é uma excelente reflexão sobre os tempos em que vivemos.
A minha firma pediu-me para começar a trabalhar de manhã cedo. Aquele "manhã cedo" que nada tem de "manhã clara", porque começa na noite escura. A "Rainha da Noite" ajudou-me a acordar, no disco que Natalie Dessay dedica às heroínas de Mozart. Apercebo-me, entretanto, que o meu carro está todo "girl power". Quanto a mim, estou sem energia nenhuma. Fraquinho, fraquinho…