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Durante muitos anos, chegava aos músicos mais velhos, através dos músicos mais novos. O Caetano Veloso levou-me até João Gilberto, o Sérgio Godinho a José Afonso, os Duran Duran a David Bowie. Até que passou a ser (também) ao contrário. Por exemplo, foi através de David Bowie que eu ouvi, pela primeira vez os Arcade Fire. De modo que, quando o meu irmão (mais velho) me perguntou "Conheces esta banda?", pude responder "conheci-os na semana passada, o Bowie mostrou-me". Não sei se foi por respeito aos mais velhos, mas a banda ficou-me até hoje.
"Já contei esta história", escreve Ruy Castro. E começa a contar: "Em 2015, uma cantora de bossa nova interrompeu seu show para se referir ao Rio dos anos 70 como 'a cidade ainda maravilhosa'" - onde se podia andar a pé, sem medo. E, depois, começou a cantar a "Carta do Tom", onde Chico Buarque diz "Eu saio correndo do pivete / Tentando alcançar o elevador". A cantora não se terá apercebido da contradição, sublinhada pelo autor do livro "O ouvidor do Brasil - 99 vezes Tom Jobim". Pelos vistos, nos anos 70, a "cidade maravilhosa" já não era assim tão maravilhosa. E quando é que foi? Talvez nos anos 60. Ou talvez não, porque foi nessa década que a capital federal se transferiu para Brasília. Nos anos 50 é que era? Também não. O autor descobriu uma série de entrevistas sobre Carmen Miranda, onde se lamentava o estado da cidade do Rio, e concluiu que, nos anos 50, a cidade já não era maravilhosa. Maravilhosa era nos anos 30. Quer dizer, nessa altura já havia quem lamentasse a construção de casas "Art Déco" que estavam a destruir a paisagem natural do Rio. E, de repente, vemo-nos a recuar até ao século XVI. E são isto as perceções de insegurança, nas cidades "maravilhosas": seja o Rio de Janeiro, de Estácio de Sá; seja a Lisboa, do Martim Moniz.
Saio de casa, à pressa. A guardar as chaves de casa, num bolso. A procurar as chaves do carro, noutro bolso. A certificar-me se tenho tudo: telefones, carteira, mochila, garrafa de água. Cabeça já sei que não tenho. Já nem a procuro. "Desculpe, senhor..." - um homem, nos seus 50/60, de ar abandonado, esquecido - "sei que está com pressa". Adivinho o que se segue: "Por acaso, não me podia ajudar?". "Por acaso, não", respondo, "não tenho dinheiro nenhum. Entre rifas para a escola, para o futebol, para a associação disto e daquilo, não me sobrou nada". "Não faz mal", diz, "se tivesse, agradecia, mas se não tem, não faz mal". "Tudo o que tenho é uma carteira vazia, quer ver?" O homem, assustado, dá um salto para trás: "Ó senhor, não faça isso!" Pois, não se faz isto. Mas eu fiz. De repente, vejo um euro, a espreitar no porta-moedas. Fico feliz. "Afinal, ainda tenho qualquer coisa". Entrego o euro ao senhor, que me agradece e ainda fica preocupado comigo: "Mas, assim, fica sem nada". "Não se preocupe", digo-lhe, "eu tenho onde ir buscar mais". Desejo-lhe um bom Natal e ele também. Seguimos, rumo a vidas diferentes.
E aqui está o meu conto de Natal. Não é Dickens, eu sei. Mas é meu. Escrevi-o esta manhã, depois de encontrar este senhor e (pasme-se!) a cabeça.
Os doces vinham de Santa Iria de Azóia. Os refrescos também. Os sabonetes vinham de Santa Iria de Azóia. E os desodorizantes e os champôs. O detergente da roupa vinha de Santa Iria de Azóia. Bem como, o pó para a cozinha; o creme para a casa de banho; o líquido para os vidros. Na minha cabeça, a procurar palavras e a decifrar enigmas nas embalagens dos produtos domésticos, Santa Iria da Azóia era um oásis de coisas boas, para comer e cheirar. Um farol de modernidade. O que havia de mais parecido com Nova Iorque, em Portugal. Eu queria ir a Santa Iria de Azóia. Até que fui. E não, não é parecido.
- Como é que se chama a tua tia?
- Chama-se Beta.
- E o teu tio?
- Carlos. Porquê?
- Pensei que fosse VHS. Ah, ah, ah!
- Não percebi.
- Beta, VHS.
- Continuo sem perceber .
- É natural. És um nativo digital e o meu sentido de humor é analógico.
Dona Alzira, tão moderna! Acabo de olhar para a sua varanda. Uau! Tantas luzes, a piscar: com cores diferentes, intensidades diferentes, velocidades diferentes. Incrível, parece uma discoteca! Uma discoteca de Natal! Só falta juntar uma bola de espelhos e uma máquina de fumos. Tum, tss, tum, tss, tum, tss, tum. Parabéns e boas festas! Tum, tum, tum, tum.