por Miguel Bastos, em 16.10.24
Morreu Antonio Skármeta, o escritor que deu origem ao filme 'O Carteiro de Pablo Neruda'. Cheguei até ele, por causa do filme. E, no entanto, o filme só me chegou no fim. No princípio, não foi o verbo, foi o bandoneón. Entrei na discoteca e abri os ouvidos de espanto. Que som era aquele? "Piazzolla?", perguntei. "Não", respondeu-me a voz amiga, atrás do balcão, "é a banda sonora de 'O Carteiro de Pablo Neruda'". A música, descobri a seguir, era de um compositor chamado Luis Bacalov. Um argentino, com um talento especial para bandas sonoras, que associei de imediato aos italianos Ennio Morricone ou Nino Rota. Fazia sentido, já que a ação decorria em Itália. Trouxe o disco que, para além da música propriamente dita, tinha a poesia de Neruda dita por atores como Glenn Close, William Dafoe ou Samuel L. Jackson, e cantores como Sting e Madonna. A "culpada" terá sido Julia Roberts, que insistiu em gravar (e gravou!) alguns poemas do chileno. Seguiram-se vários outros. Depois de o trazer para casa, comecei a levar o disco para a rádio. Passeava-o com Piazzolla, Danças Ocultas, Rodrigo Leão - música mais próxima da música de Bacalov - mas também dos Air ou dos Massive Attack. E, depois, veio a poesia de Neruda e o livro de Skármeta ('Ardente Paciência') que me levou a imaginar o filme, vezes sem conta. De tal forma que, quando, finalmente, cheguei ao filme (só o vi há meia dúzia de anos) foi-me difícil acreditar que nunca o tinha visto antes.
António Skármeta era chileno, como Neruda. Foi exilado, como Neruda. Diplomata, como Neruda. Foi amigo de Neruda. Deu-nos Neruda. Viveu mais anos que Neruda. Morreu, ontem, aos 83 anos.