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Piotr + Leonard = Amor
Os queridos andam-nos a mudar a casa. Ainda faltam imensas coisas: cortinados, reposteiros, naperones, alcatifas, lustres, etc. Mas, já temos uma mesa nova. E é linda!
- Sabes, pai? Comprámos-te uma prenda!
- Ai, sim?
- Sim, é uma tenda de campismo. Mas não digas a ninguém...
- Está bem, eu prome...
- Chuuuu, é segreeedo!
- Ó pai, eu comecei a falar muito cedo, não foi?
- Sim.
- Lembras-te qual foi a primeira palavra que eu disse?
- Não tenho a certeza. Talvez, "etimologia".
- Isso quer dizer o quê, pai?
- Não sei. Tens de ir à origem da palavra.
- Ok, depois eu vou.
- Não queres ir já?
- Não. Primeiro tenho de ir lanchar.
Por norma, não gosto de sequelas. Mas desta gostei. O "Namoro II", dos Trovante, é uma sequela do "Namoro", do Fausto, que eu conhecia dos concertos, do Godinho. "Aí, Benjamim", gritávamos nós, da plateia, para que o Sérgio, no palco, nos ouvisse. Para perceber melhor a letra do "Namoro II", ouvi, vezes sem conta, o "Namoro" que o Godinho gravou (com o Fausto na guitarra, curiosamente) no álbum "De pequenino se torce o destino". Finalmente, 3 anos depois do "II", eis que Fausto grava, finalmente, o "seu Namoro", no álbum "A preto e branco" - o mais africano dos seus discos. Em vez de escolher um namoro, em vez de afirmar que não há amor como o primeiro, fico com os três. Fico com um tríptico, ao gosto de Fausto.
No dia da morte de Fausto, recupero este texto, com cerca de ano e meio.
"Não se deve confundir", diz a expressão, "a obra-prima do mestre, com a prima do mestre-de-obras". "Por este rio acima" é uma obra-prima e acaba de fazer 40 anos. Baseado nas viagens de Fernão Mendes Pinto, as letras do disco são um mergulho nas profundezas dos descobrimentos. Por vezes, o mergulho exige apneia: cheira a morte, a doença, a carne queimada e esventrada. Não há, aqui, qualquer exaltação ao lado bravo, guerreiro e conquistador - apenas, o lado escuro dos descobrimentos. A riqueza das letras é tão grande que acabou por secundarizar, involuntariamente, a riqueza das canções, dos arranjos, dos instrumentos. As percussões tradicionais portuguesas, mas também as tablas e as baterias; a guitarra portuguesa e o cavaquinho, tal como o alaúde e a viola de gamba; o piano acústico e os sintetizadores; as cordas e os instrumentos de sopro. Tantos instrumentos que acompanham a voz e a viola acústica de Fausto, omnipresentes, que, ora nos levam para paisagens exóticas e longínquas; ora nos trazem de volta a Portugal, com ritmos e melodias que nos são familiares. Obra-prima.
"Por este rio acima" é um álbum duplo, denso, conceptual, com um pequeno "libreto" ilustrado no interior. A viagem cresceu para trilogia, de forma tão avassaladora que (porventura) acabou por se sobrepor à obra integral de Fausto, que pode/deve ser (re)descoberta. Estamos perante um caso em que não se confundiu "a obra-prima do mestre, com a prima do mestre-de-obras", mas em que, por causa da obra-prima, se poderá ter deixado de reconhecer, devidamente, o mestre que a criou.