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Saímos do cinema, a meio do filme. "Irreversível", de Gaspar Noé, tinha sido anunciado como um "filme-choque" (coisa que, normalmente, não me agrada), mas estava coberto de boas críticas e de recomendações de amigos. Tentámos a nossa sorte, numa tarde de domingo. O filme avançava, em espiral, praticamente sem imagem, mas explicitando tudo em som: sexo, violência e terror. Confirmou-se: "filme-choque". Saímos, a meio, atordoados, com a cabeça e o estômago às voltas. Saímos para a avenida. Caminhámos, vagarosamente. O ar fresco e o bom tempo foram-nos recompondo. Olhámos um para o outro, à porta do museu: uma retrospetiva de um artista contemporâneo. "Entramos?". Entrámos. "Artista provocador, que aborda a sensualidade e a sexualidade, de forma crua, irreverente e provocadora. Um olhar inquietante e blá, blá, blá, e blá, blá, blá". Instalou-se, de novo, a sensação de enjoo. Voltámos para casa. Comemos em frente à televisão, na companhia de um programa de canções. Parece que um dos concorrentes tem uma burra. "Tens uma burra?", pergunta a Catarina. "Tenho". "Eu também. Podíamos juntar as duas, para ver se acasalavam". Rompemos numa gargalhada. "Ai, que parvoíce", diz a Catarina, "se são duas burras, não podem acasalar". Voltámos a rir. Tanto e tão alto, que (soubemos depois) deixámos a vizinhança preocupada. Não sei se estão a ver o filme: ligar a televisão foi a decisão mais inteligente do dia. Fomos salvos pela burra da Catarina.