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Ao saber que as chamas rodeavam o aldeamento de luxo, o comentador questionou a importância do ordenamento da floresta. Sim, defendeu, porque o empreendimento estava bem ordenado, cuidado e limpo e, mesmo assim, estava a arder. Não sei dizer se estava, ou não, bem ordenado. Vamos partir do princípio que sim. Isso não invalida nada. Pelo contrário. O que aconteceu é que o fogo chegou à zona ordenada, alimentado e robustecido por vários quilómetros de floresta desordenada, habitada pela tradicional monocultura de espécies exóticas. E os problemas da floresta (como todos os outros) não se resolvem com condomínios de luxo, que não nos protegem de coisa nenhuma. Às vezes, pode ser injusto. Mas, o contrário também seria.
Lá na minha aldeia, havia uma "boîte" bem jeitosa (dizem, que eu nunca lá fui). Tinha senhoras, altas e loiras, com saias pequenas; e senhores, baixos e carecas, com carros grandes. Uma coisa à maneira. Infelizmente, tudo o que é bom acaba. Transformaram a "boîte" numa discoteca africana. E (já se sabe) aquilo é gente que não sabe estar!
Em Tóquio, um grupo de jovens quis tirar uma fotografia connosco. Foi em Shibuya - um bairro da moda, onde os jovens se costumam juntar. "You're so exotic", dizia a rapariga japonesa de cabelo cor-de-rosa, top com purpurinas, mini saia leopardo, meias de renda e sapatilhas. "Exotic? Quem, nós?!", perguntámos. Nós, exóticos pela primeira vez. E tirámos uma foto. Uma "purikura" (foto tipo passe, autocolante), que o tempo ainda não era de "selfies" e os telemóveis ainda não eram inteligentes. Eramos exóticos, sim: europeus, do sul - baixos, morenos, cabelos ondulados, narizes grandes. Aos nossos olhos, eles também eram, claro. Olhos que, por sua vez, eles consideravam do mais "exotic" que há. Lembro-me que, nessa noite, fomos dançar para uma discoteca que passava, sobretudo, música de inspiração brasileira: samba e bossa nova, misturada com jazz e música eletrónica de dança. Dançámos, juntos, com os jovens modernos de Shibuya. Eles porque era "exotic". Nós porque - pela primeiro vez, em vários dias - nos sentíamos em casa, estando no centro de Tóquio. O que, também, acaba por ser exótico.
Passei, agora, pelo Tio. Foi no telemóvel. O Tio deixou-nos, há poucos meses. Foi levado pela Covid. Quando o visitei, estava meio constipado. Mas não, não era uma constipação. Já não vendia saúde (é certo) mas, ainda, não estava doente (tinha, apenas, doenças - quem as não tem?). Claro que já não era o Tio que pegava o carro e, a caminho dos 90 anos, fazia um caminho de 250 quilómetros. Já não era o Tio, de há muito pouco tempo. O Tio tinha nome, claro. Tinha mulher, sim. Tinha filhos e netos. Tinha irmãos. Era, portanto, muitas coisas, ao mesmo tempo. Mas, para mim, era sobretudo o Tio: o meu Tio. O que juntava a família; o que telefonava, sempre, nos dias certos e, sempre, nos dias que lhe pareciam certos. O que não trocava datas, nem nomes, nem factos. O que me beijava em público. O que me que me contava histórias, de ontem e de hoje. O me perguntava sobre as histórias de hoje e dos próximos dias : "O que é que pensas disto?"; "O que é que achas daquilo?"; "O que é que pode acontecer?" Ao passar pelo Tio, no telemóvel, apeteceu-me falar dele. Das saudades dele. Está na letra "T". Para mim, foi Tio, antes de tudo. É Tio, antes de tudo.
"Na boca da barra e mesmo defronte / Daquela janela virada pr'ó mar". Lembrei-me do Tristão, neste dia feliz.
"Ardeu tudo, lá em cima", lamentava o jovem autarca, "Foi muito mau. Nem sei como é que não foi pior". A ideia era simples: visitar as terras que tinham ardido, no verão anterior. Tentar perceber o que estava recuperado, o que estava por recuperar, e se havia alterações na gestão da floresta. "As pessoas", dizia-me, "estão sempre a perguntar porque é que não se fecha esta ou aquela estrada. Isso não faz sentido." "Porquê?", pergunto. "Porque as estradas não são para fechar. São para circular". "Interessante", digo, "podemos gravar"? "Não, porque isto é muito polémico. No ano passado, ficámos isolados a combater o fogo, porque fecharam as estradas e os bombeiros não conseguiam passar. Portanto, a questão que deve ser feita é 'porque é que se fecham as estradas?'" "E qual é a sua resposta?", insisto. "Porque tem de ser, claro. Mas tem de ser, porque se deixa plantar eucaliptos até à beira das estradas. De resto, deixa-se plantar eucaliptos em todo o lado. E, depois, deparamo-nos com frentes de fogo de 50 km, ou mais." "Mas acha que as coisas vão melhorar?" O autarca escolheu os ombros: "Eu acho que sim. Mas, se calhar, ainda vão piorar - antes de começarem a melhorar." Premonitório. Esta conversa foi anterior a 2017. E continua-se a ter de fechar as estradas.
A 20 minutos do programa de rádio ir para o ar, o programa informático "vai ao ar". Fico sem alinhamento. Sem chão. Os 5 minutos seguintes são gastos a tentar uma solução informática, para ultrapassar o problema. Em vão: é um "bug" do programa - nada a fazer. Bem, mas há um programa de rádio a fazer: temos 15 minutos para pôr um programa de 45 minutos no ar. É preciso recuperar alguns textos. Sim, há textos escritos e guardados. E há coisas guardadas na cabeça, que tinham sido escritas há pouco e que vão ser acrescentadas à mão e improvisadas no estúdio. Podia ser pior: se, por exemplo, a ligação por audioconferência caísse (caiu!) ou se a emissão caísse (também caiu!). Dizem que é a magia do direto. Pode ser que seja. Mas é uma dor de cabeça e uma crise de nervos. E, mesmo assim, gosto muito disto.