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"És lindo", grito-lhe, do outro lado da rua. "Tu é que és!", responde-me o Arsénio, com um sorriso de orelha a orelha. Sempre lhe invejei o sorriso, e não só: o porte, o estilo, a elegância, a pinta, a ginga. O Arsénio tinha o ar de quem conseguiria sacar as miúdas mais jeitosas do liceu. Era só querer. Mas não quis. Tanso. Sacou uma e casou com ela. Sempre na moda, começou a usar fatos de estilista, de bom corte, que combinava, impecavelmente, com peças mais descontraídas, de bom gosto. Mais tarde, começou a descobrir a sua negritude e a usar, também, peças de inspiração africana. Chamávamos-lhe o Arsénio Sexual e brincávamos com a sua boa figura: "Nunca te acusaram de Arsénio Sexual?" "Não, que eu sou um rapaz bem-comportado", respondia, sempre a sorrir. O Arsénio é uma figura. É tipo eu: só que mais alto, mais negro, mais musculado, mais charmoso, mais tudo. Fora isso, quase que somos parecidos. Ah, ele é parecido com o Jorge Fonseca.
[Foto: Jeon Heon Kyun-Epa]
Mais velho - Mas, afinal, como é que é essa praia do Meco?
Pai - Oh filho, é uma praia igual às outras. Tem, apenas, uma diferença...
Mais velho - Qual?
Pai - É conhecida por ser uma praia de nudistas.
Mais velho - Como assim?
Pai - As pessoas não usam roupa. Portanto, quando chegarmos, vamos ter que tirar os calções.
Mais velho - Ai não vou, não!
Mais novo - Eu tiro! Eu tiro!
Mais velho - Estás maluco, ou quê?
Mais novo - Tu é que estás. Nem penses que nos vais estragar as férias, por causa das tuas vergonhinhas!
Foi o primeiro disco a girar na nossa aparelhagem. O sonho de uma vida. Era curta, a nossa vida; mas a espera, achávamos nós, tinha sido imensa. Já tínhamos comprado alguns discos, logo após a aprovação, na generalidade, da aquisição do aparelho. Discutíamos, em plenário, qual seria o primeiro disco a girar, quando fomos surpreendidos pelo anúncio da visita de uma tia. Esta tia - velha, dura e austera - não era dada a frivolidades e iria, certamente, condenar pais e filhos, pelo gasto avultado e desnecessário. Corremos para a sala para reajustar os planos: a viagem psicadélica dos Pink Floyd, que pedia intensidade no volume, teria que ser adiada; e o disco ao vivo dos Doors, com as explosões de raiva e poesia de Jim Morrison, não nos pareceu indicado. A tia chegaria a qualquer momento. Escolhemos o Harvest, que tinha acabado de ser entregue pelo senhor do Círculo de Leitores. O Neil Young tinha a beleza exigida para a ocasião e a vantagem de gritar baixinho. Ouvimos o disco de um lado e do outro, com o coração, cheio e nas mãos, e os olhos hipnotizados pelas luzes que piscavam, com maior ou menor intensidade, ao ritmo das canções. O Neil Young inaugurou o sonho de uma vida: ainda no início e já tão inteira.
No meio de um ambiente cinzento, havia o tio Jorge. Otelo e a irmã gostavam de imitar o tio. Chamavam-lhe a brincadeira dos “pás”. “Eh pá, vamos comprar cigarros”, dizia um. “Eh pá, vamos ao café”, dizia outro. Quando li isto, na biografia de Otelo Saraiva de Carvalho, de Paulo Moura, sorri.
Eu também brinquei aos “pás”, com os meus irmãos. Nós dizíamos “brincar aos jovens”. Falávamos ao telefone, íamos à praia, passeávamos de carro, bebíamos “cocktails”, íamos ao cinema e à discoteca. Os exemplos, vinham das novelas. Nós não tínhamos um tio Jorge, cosmopolita e “bon vivant”, que trabalhava numa companhia aérea. Mas dizíamos “pá”.
Em 1974, Otelo brincou, de novo, “aos pás”. Foi no 25 de Abril. O estilo manteve-se: “Mónaco e México já caíram nas nossas mãos.”; “Eh pá, palavra de honra? Isso é porreiro, pá”; “Desculpe, lá, qual é o seu nome?”; “Otelo Saraiva de Carvalho”; “Eh, pá!”.
Francisco Buarque de Holanda imortalizou a brincadeira numa canção: “Sei que estás em festa, pá”; “Eu queria estar na festa, pá”; “Lá faz primavera, pá”. O Chico, pá, a falar como o Otelo!
[Texto publicado, originalmente, em 22 de Junho de 2015]
... e, depois, temos jornalistas que não se vendem. Outros vendem-se, felizmente: como o José Manuel Rosendo, por exemplo. Desculpa, camarada, comprei-te. Estavas barato no alfarrabista.
Precisamos de coragem para enfrentar este verão: de coragem e de um casaquinho. Cuidem-se.
Bem, há tantos flamingos na ria de Aveiro, que acho que já sei onde é que o Christopher Cross vai gravar o próximo disco!
Lá, do alto da sua torre de isolamento profilático no "countryside", o primeiro-ministro britânico dirigiu-se aos súbditos de sua majestade: primeiro, pediu-lhes juízo; depois, mandou abrir as discotecas.